Hoje se comemora o aniversário de São Paulo. Mas também, desde 1984, o aniversário da primeira grande manifestação a favor das Diretas-já. Trezentas mil pessoas lotaram a praça da Sé cantando "um, dois três, quatro, cinco, mil, queremos eleger o Presidente do Brasil".
As manifestações vinham ocorrendo por todo o país, mas essa era a maior e também a primeira que recebia alguma cobertura da Rede Globo, que até então ignorara solenemente a campanha.
Segundo José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, na época vice-presidente da emissora, ela era censurada pela censura militar e pelo “doutor Roberto Marinho”, que só permitiu a cobertura a partir do evento da Sé.
Naquele dia, ainda segundo Boni, a recomendação do “doutor Roberto” era de que o evento fosse divulgado como sendo apenas um show e que não houvesse nenhum discurso ou depoimento dos participantes.
Dois meses e meio depois, no dia 10 de abril, em frente à Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, cerca de um milhão de pessoas cantavam e comemoravam em mais uma manifestação. Eu estava lá. Todos tínhamos a certeza de que a emenda Dante de Oliveira seria aprovada.
Mal sabíamos que as cartas estavam marcadas, o jogo definido, num acordo entre políticos e governo militar.
Quinze dias depois, em 25 de abril, a emenda foi rejeitada pela Câmara dos Deputados, embora tivesse recebido maioria de votos a favor (298 a 65). Faltaram 22 votos apenas para se atingir o quorum de dois terços exigido para alterações da Constituição.
A discussão e votação da emenda começou às nove da manhã. Mas o resultado só foi divulgado na madrugada do dia seguinte. Era uma estratégia combinada entre deputados para evitar que o povo, concentrado em manifestações por todo o país, despejasse sua frustração nas ruas de maneira incontrolável.
Pesquisa do Instituto Gallup em janeiro daquele ano mostrara que 81% dos brasileiros apoiavam as diretas já e apenas 10% eram contra. Quem não viveu aquele período pode imaginar a imensa frustração que tomou conta do povo.
Depois vieram as diretas, e, presidente após presidente, sentimos a sensação de que tudo vai mudar, como naqueles dias, e em seguida a mesma frustração.
Por isso, hoje o desânimo parece geral. Muitos pregando o voto nulo, descrentes de que um Brasil diferente seja possível.
Para esses, encerro com este trecho, que retirei de um artigo do poeta Ferreira Gullar. Ele estava clandestino em Moscou, no auge da ditadura, enfrentando o inverno russo de 18 graus abaixo de zero. O dia começava tarde, a noite chegava cedo...
"Mas foi em abril, quando os primeiros brotos surgiram nos galhos ressequidos pelo frio, que voltei a sorrir. E não demorou muito até que me deparasse, certa manhã, com a rua toda verde - árvores, jardins, canteiros - de um verde virente, novinho em folha. Era a primavera que chegava a ensinar-me que a vida é um eterno renascer. Aqui no Brasil, país da eterna primavera, mal nos damos conta disso. Claro que o sabemos, mas saber é diferente de viver. Essa notícia de que o inverno acaba, a tristeza acaba e o verde volta a sorrir foi o inverno russo que me sussurrou ao ouvido, naquele abril de 1972."
(Leia amanhã: o calcanhar de Aquiles de Lula)
As manifestações vinham ocorrendo por todo o país, mas essa era a maior e também a primeira que recebia alguma cobertura da Rede Globo, que até então ignorara solenemente a campanha.
Segundo José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, na época vice-presidente da emissora, ela era censurada pela censura militar e pelo “doutor Roberto Marinho”, que só permitiu a cobertura a partir do evento da Sé.
Naquele dia, ainda segundo Boni, a recomendação do “doutor Roberto” era de que o evento fosse divulgado como sendo apenas um show e que não houvesse nenhum discurso ou depoimento dos participantes.
Dois meses e meio depois, no dia 10 de abril, em frente à Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, cerca de um milhão de pessoas cantavam e comemoravam em mais uma manifestação. Eu estava lá. Todos tínhamos a certeza de que a emenda Dante de Oliveira seria aprovada.
Mal sabíamos que as cartas estavam marcadas, o jogo definido, num acordo entre políticos e governo militar.
Quinze dias depois, em 25 de abril, a emenda foi rejeitada pela Câmara dos Deputados, embora tivesse recebido maioria de votos a favor (298 a 65). Faltaram 22 votos apenas para se atingir o quorum de dois terços exigido para alterações da Constituição.
A discussão e votação da emenda começou às nove da manhã. Mas o resultado só foi divulgado na madrugada do dia seguinte. Era uma estratégia combinada entre deputados para evitar que o povo, concentrado em manifestações por todo o país, despejasse sua frustração nas ruas de maneira incontrolável.
Pesquisa do Instituto Gallup em janeiro daquele ano mostrara que 81% dos brasileiros apoiavam as diretas já e apenas 10% eram contra. Quem não viveu aquele período pode imaginar a imensa frustração que tomou conta do povo.
Depois vieram as diretas, e, presidente após presidente, sentimos a sensação de que tudo vai mudar, como naqueles dias, e em seguida a mesma frustração.
Por isso, hoje o desânimo parece geral. Muitos pregando o voto nulo, descrentes de que um Brasil diferente seja possível.
Para esses, encerro com este trecho, que retirei de um artigo do poeta Ferreira Gullar. Ele estava clandestino em Moscou, no auge da ditadura, enfrentando o inverno russo de 18 graus abaixo de zero. O dia começava tarde, a noite chegava cedo...
"Mas foi em abril, quando os primeiros brotos surgiram nos galhos ressequidos pelo frio, que voltei a sorrir. E não demorou muito até que me deparasse, certa manhã, com a rua toda verde - árvores, jardins, canteiros - de um verde virente, novinho em folha. Era a primavera que chegava a ensinar-me que a vida é um eterno renascer. Aqui no Brasil, país da eterna primavera, mal nos damos conta disso. Claro que o sabemos, mas saber é diferente de viver. Essa notícia de que o inverno acaba, a tristeza acaba e o verde volta a sorrir foi o inverno russo que me sussurrou ao ouvido, naquele abril de 1972."
(Leia amanhã: o calcanhar de Aquiles de Lula)