Eu me recordo de uma crônica do Veríssimo. Há muito tempo. Ele ainda escrevia na revista Domingo, do antigo Jornal do Brasil.
Numa reunião com sua equipe, o ministro da Economia (era a época da ditadura) ouve de um de seus assistentes uma proposta para melhorar a distribuição de renda. Ele sugeria a eliminação pura e simples de 10% da população. O czar da economia (era, certamente, o Delfim Neto) ficou horrorizado com a proposta. Em seguida, assinou um decreto que, na prática, causou a morte de 10% da população.
Essa lembrança me veio à cabeça por causa da atual discussão sobre o aborto. O tema, que foi corajosamente lançado na mídia nacional pelo atual ministro da Saúde, José Gomes Temporão, é tratado por boa parte dos ditos defensores da vida com o mesmo horror que se apossou do czar da crônica do Veríssimo ao ouvir a insólita proposta de seu auxiliar.
Não está em discussão a utilização do aborto como medida de planejamento familiar. O que se quer é tratar de um problema real, concreto dos milhares de meninas e mulheres que farão o aborto, quer ele seja crime, quer não. O que se quer debater é o direito das mulheres a seu próprio corpo.
Para encurtar: sou a favor da informação, da distribuição de preservativos e pílulas anticoncepcionais. E também a favor do aborto assistido, quando for uma decisão definitiva da mulher. Ela, antes, passaria por atendimentos médico, social e psicológico – aos quais, em geral, não têm acesso. Se continuasse com sua decisão, seria respeitada.
Aliás, quer saber? Independentemente da minha ou da sua opinião, o aborto será feito. É um caso de se tentar preservar ao menos a vida da mulher.
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