Os comentários que tenho lido e, especialmente, ouvido a respeito do filme Tropa de Elite, de José Padilha, me levam a crer que seu título correto deveria ser Tropa da elite, aquela elite branca tão bem definida pelo ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo.
Ontem, em sua coluna no Globo, o jornalista Arnaldo Bloch escreveu que “ao optar pelo capitão Nascimento como narrador do filme, Padilha assumiu, de maneira sistemática, acrítica e quase pedagógica – e justificou para a média reacionária da sofrida sociedade espectadora – o discurso e o ponto de vista do que há de pior na corporação, o discurso da pseudo-razão enlouquecida dentro da loucura institucional, o discurso do ‘não há saída, tem mesmo é que matar’”.
E ao final, quando o aspirante Matias se transformou num “policial de verdade” (leia-se: quando abandona seus princípios e aceita a tortura a crianças como método válido para seus nobres fins de vingança contra el capo) uma ovação aliviada consagrou “Tropa de elite” como porta-voz de nossas inquietações. E dá-lhe “caveira”!
Pelo visto, o filme vai fazer sucesso entre os que acham que a solução para a insegurança pública é uma polícia mais dura, mais atuante, mais firme (eufemismos para violenta, torturadora, assassina). São aqueles que defendem que essa polícia violenta seja utilizada inclusive contra os menores, como no filme.
Dados do Departamento Geral de Ações Sócio-Educativas (Degase), que cuida dos menores infratores no Rio de Janeiro, mostram que 70% dos adolescentes atendidos vêm de famílias com renda familiar mensal de menos de um salário mínimo. Mais 15% de até dois salários.
80% deles têm o ensino fundamental incompleto. 5% deles são analfabetos.
85% são negros (43%) e pardos (42%). Os brancos são 15%.
81% não estudavam, e apenas 20% trabalhavam (17% no mercado informal), quando foram presos. A maioria, subnutrida ou desnutrida.
Esse é o perfil do jovem infrator, pelos dados do estado do Rio de Janeiro. O que lhes deve ser oferecido é tortura, bala perdida e Tropa da elite?
Se o uso da força resolvesse todos os conflitos, os Estados Unidos não teriam saído correndo do Vietnam, nem estariam agora à procura de uma saída menos desastrosa do Iraque.
Por isso, não importa o trabalho dos atores ou a qualidade da criação cinematográfica. Quando um filme glamouriza a tortura, ele é indefensável, asqueroso, nocivo. A tortura é uma ignomínia. Pior ainda quando praticada pelo Estado ou seus agentes, que aí estão, exatamente, para não permitir que a barbárie (atenção, dondocas, não é Barbie, é barbárie) impere.
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