Pelo visto, o editor internacional de Veja, Diogo Schelp, que assinou aquela triste matéria de capa de Veja sobre Che, não assistiu à palestra do jornalista Jon Lee Anderson no Curso de Jornalismo da Abril, que edita Veja. Ou não teria feito o que fez com Che. Nem estaria agora querendo dar lição de ética e reportagem a Anderson.
Para quem está chegando agora, historio:
O Blog do Pedro Dória mostrou um email de Anderson endereçado a Schelp. Nele, Anderson critica e chama de mau jornalismo a reportagem de Veja. Schelp retrucou, disse que Anderson não teve ética ao divulgar correspondência pessoal entre os dois e disse que ele jamais seria publicado na Veja.
A Abril não fez por menos. Também soltou seus pitblogueiros em cima de Anderson, com o resultado de sempre: ofensas, calúnias, baixaria. Chegaram a tentar desqualificar o trabalho de um dos mais respeitados jornalistas do mundo.
Anderson enviou novo email, ironizando mais uma vez o editor de Veja e colocando no devido lugar a infame “reportagem” sobre Che:
Não cometa o erro de me acusar de defender Che porque critico você [Schelp]. Serei claro: a questão aqui não é Che, é a qualidade do seu jornalismo. Sua reportagem, no fim das contas, é simplesmente ruim e me choca vê-la nas páginas de uma revista louvável como Veja. Seus leitores merecem mais do que isso e, se aparecerei ou não novamente nas páginas da revista enquanto você estiver por aí, não me preocupa. O que preocupa é que, com tantos jornalistas brilhantes como há no Brasil, foi a você que Veja escolheu para ser ‘editor de internacional’. (leia a íntegra clicando aqui).
A aula de jornalismo de Anderson na Veja
Agora leiam aqui o que diz a página do Curso de Jornalismo de Veja sobre aquela palestra de John Lee Anderson (os grifos são meus).
Clique aqui e receba gratuitamente o Blog do Mello em seu e-mailFoi uma aula de jornalismo. Entrevistado no dia 13 de julho pelo editor-executivo da revista Veja, Carlos Graieb, o jornalista americano Jon Lee Anderson, colaborador da revista New Yorker, falou sobre sua brilhante trajetória profissional, desde quando era um jovem correspondente na América Central até o reconhecimento internacional. O encontro integrou o Ciclo de Palestras que comemora os 30 anos do Prêmio Abril de Jornalismo.
Fruto da geração que assistiu à capitulação dos norte-americanos no Vietnã, Anderson integra a turma dos coleguinhas céticos quando o assunto é a política internacional dos sucessivos governos de seu país. O jornalista definiu o conflito no Vietnã, na década de 70, como marco histórico na cobertura de conflitos. Pela televisão, a população assistiu às mortes dos soldados e pôde protestar.
Essa visão autônoma, muito próxima do ideal de jornalismo, fez de Anderson voz destoante na mídia. Três meses antes dos ataques norte-americanos em 2003, ele já estava no Iraque, pronto para cobrir o conflito com independência. Da mesma forma, foi ao Afeganistão, logo após os atentados ao World Trade Center, para provar para si mesmo que não era apenas um bando de terroristas que vivia lá. Ele queria ver tudo de perto.
Poucos são os profissionais que se atreveram a contar uma história como a de Anderson em A Queda de Bagdá (2004, Objetiva). Mesmo assim, ele não condenou os companheiros. Reconheceu a região do conflito iraquiano como a mais perigosa para trabalhar nos últimos 40 anos. Explicou que os jornalistas ocidentais são reféns de uma situação em que não conhecem o lugar, desconhecem o idioma e a única proteção deles são as tropas aliadas. O envolvimento emocional é inevitável. Não há cobertura, por maiores que sejam os esforços de isenção, que sobreviva a essas interferências.
Mas há governo que se beneficie com elas, sugeriu um irônico Anderson. Afinal, que mal uma cobertura emotiva e favorável às tropas faria, por exemplo, a George W. Bush?
A vontade de testemunhar os fatos, de estar onde a história está acontecendo, conduziu o norte-americano para o jornalismo. O interesse por conflitos viria como conseqüência da formação pessoal. O domínio da língua espanhola e a afinidade com a América Latina empurraram-no para a turbulenta área central do continente. Lá, trabalhou como correspondente da Time. Foi caminho sem volta.
Durante toda a palestra, Anderson defendeu o jornalismo que fala com a fonte e não dorme no ponto. Provou que era possível fazer uma boa cobertura no Iraque ou no Afeganistão em condições adversas. Provocou a platéia ao lembrá-los da liberdade com que pode escrever na The New Yorker. Não satisfeito, ainda defendeu a existência de mais publicações que não sejam necessariamente lucrativas, mas façam bom jornalismo. "Para que ganhar muito dinheiro?" bradou. Que inveja, Jon Lee, que inveja!