A coluna de Jânio de Freitas na Folha hoje, Em busca da crise, toca em tantos pontos interessantes que a dividi em tópicos. [assinante clica que aqui para lê-la sem entretítulos].
A tentativa de fabricar uma crise militar pelos demo-tucanos
As portas estão abertas, e hoje haverá quem tente escancará-las, para um investimento fácil, no Brasil, além das aplicações nas suas Bolsas e nos seus juros. É o investimento em uma crise militar, no qual há mais aplicadores, muito mais do que supõem os otimistas da democracia, entre civis. Por exemplo, no PSDB e no DEM-PFL, que pretendem tentar, logo mais, a convocação do general Augusto Heleno Ribeiro Pereira para outra palestra incandescente, desta vez no Senado, sobre a oposição de militares à política indigenista do governo.
Nessa iniciativa em que se unem os comandos dos dois partidos oposicionistas, a busca de oposição ao governo se confunde com a atitude de oposição à ordem institucional da democracia incipiente. No mínimo, é um ato irresponsável de desespero pelo aturdimento, decorrente da própria incapacidade de encontrar políticas inteligentes de oposição e, como conseqüência, perspectivas promissoras para os seus partidos.
Demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol foi feita no governo PSDB-PFL (aliança demo-tucana) de FHC
Nada se salva na iniciativa, originária dos senadores Sérgio Guerra e Arthur Virgílio, presidente e líder do PSDB no Senado, em momento de contraditório esquecimento. Seu apoio à corrente das Forças Armadas ainda proveniente do regime militar, agora de volta à ação publicamente política, desconsidera um dado fundamental: foi o governo do PSDB que fez a demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol. E as razões pelas quais militares atacam a política indigenista do governo Lula advêm, todas, da modalidade que aquela demarcação deu, com a aprovação de Fernando Henrique e do PSDB, à reserva já discutida por uns 30 anos.
O DEM-PFL não fica melhor. Sua nota de apoio ao ato no Clube Militar e ao general Augusto Heleno Pereira, que incluíram a exigência peremptória de que o governo faça a "mudança imediata" da política indigenista e suspenda a homologação da reserva, foi primária como teor e também irresponsável como propósito. Nem como oportunismo barato, em um partido que vê Lula carrear suas velhas bases nordestinas e nortistas, o açodamento teria sentido. A nota não chegou a um só daqueles eleitores evaporados, e de outros não traria nem um só voto para os demistas - que, se vê mais uma vez com esse caso, não justificam que a mídia os chame de "os democratas".
O requerimento de convocação do general, prometido para hoje na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, refere-se a depoimento em sessão secreta. Nada mais vazio, em política, do que o sentido de secreto. A maioria dos presentes estará logo pronta a abastecer jornalistas (muito agradecido, pelo que me toca) de relatos do que foi dito e quem o disse na sessão secreta. O pormenor no requerimento é, digamos, uma concessão ao pudor. Mesmo porque Arthur Virgílio, em seu primeiro comentário à exaltada manifestação do general, ao apoio contraditório juntou a ressalva de que a manifestação militar era imprópria por ser pública e por ser no Clube Militar.
General Heleno e suas ligações com o juiz Lalau
Secreta ou não, a pretendida convocação tem óbvia finalidade agitadora - nem haveria como ter outra. O general Augusto Heleno Pereira, tido como identificado com a velha linha dura, constitui-se em uma figura polêmica. Chegou ao noticiário por ocasião das investigações em torno do (ex) juiz Nicolau dos Santos Neto, quando foram descobertos quase 200 telefonemas desse hoje condenado para o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, cerca de metade reconhecida pelo general como destinada a ele.
A polêmica passagem do general Heleno pelo Haiti
Em junho de 2004, o general Augusto Heleno Pereira assumiu a chefia da Força de Estabilização do Haiti (chamada Minustah), tropa composta pela ONU com 6.500 soldados de 12 países para deter a desordem posterior à derrubada, pelo governo Bush, do presidente (eleito) Jean-Bertrand Aristide. Em março de 2005, porém, foi lançado nos Estados Unidos e na Suíça o relatório "Mantendo a paz no Haiti?", do Centro de Justiça Global e da Universidade Harvard, com críticas severas envolvendo o comando do general brasileiro. Eis um trecho:
"A Minustah tem dado cobertura à campanha de terror da polícia nas favelas de Porto Príncipe. E mais impressionante do que a cumplicidade com abusos da Polícia Nacional do Haiti são as acusações de violações de direitos humanos perpetradas pela própria Minustah". Seguiam-se casos, com dados. O general, como esperado, refutou as críticas. Mas já provocara um incidente internacional, alguns meses depois de chegar ao Haiti: atribuiu a violência no país ao então candidato democrata à Presidência dos EUA, John Kerry, que criticara a derrubada de Aristide. O general, como foi dito à época, "recuou das declarações".
Com apenas um ano e dois meses no Haiti, o general Augusto Heleno Pereira deixou o comando. Sua explicação pessoal para a volta, ao chegar, foi de pedido seu, por já ter "ficado bastante lá" (a tropa e os brasileiros estão até hoje no Haiti). No discurso de passagem do comando, fizera emocionado agradecimento à família pela "força dada diante das críticas injustas".
Com sua manifestação para a platéia do Clube Militar, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira reabriu portas para o que pode ficar como polêmica mal posta, mas há quem prefira involuí-la para crise.
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