Ela não diz isso com todas as letras. Muito pelo contrário: Miriam Leitão nem cita o nome do diretor de jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel, porque ela não é boba. Mas em sua coluna de hoje em O Globo ela bate de frente com o que pensa Kamel. Para ele, não existe racismo no Brasil e o movimento em defesa das cotas raciais é que pode vir a criá-lo.
Em sua coluna, Leitão afirma o oposto: existe, sim, racismo e as cotas servem não só para denunciá-lo como também para reparar em parte os danos causados por ele. E chama de “negacionistas” os que pensam como Kamel.
Ainda há quem negue, hoje, que haja algo estranho numa sociedade de tantas diferenças.
O manifesto contra as cotas tem alguns intelectuais respeitáveis. Mais os respeitaria se estivessem pedindo avaliações e estudos sobre o desempenho de política tão recente; primeira e única tentativa em 120 anos de fazer algo mais vigoroso que deixar tudo como está para ver como é que fica. O status quo nos trouxe até aqui: a uma sociedade de desigualdades raciais tão vergonhosas de ruborizar qualquer um que não tenha se deixado anestesiar pela cena e pelas estatísticas brasileiras.
Ora, direis: o que tem o glorioso abolicionismo com uma política tópica — para tantos, equivocada — de se reservar vagas a pretos e pardos nas universidades públicas? Ora, a cota não é a questão.
Ela é apenas o momento revelador, em que reaparece com força o maior dos erros nacionais: negar o problema para fugir dele. Os “negacionistas” — expressão da professora Maria Luiza Tucci Carneiro, da USP — sustentam que o país não é racista, mas que se tornará caso alguns estudantes pretos e pardos tenham desobstruído seu ingresso na universidade. Erros surgiram na aplicação das cotas. Os gêmeos de Brasília, por exemplo. Episódios isolados foram tratados como o todo. Tiveram mais destaque do que a análise dos resultados da política.
Os cotistas subverteram mesmo o princípio do mérito acadêmico? Reduziram a qualidade do ensino universitário? Produziram o ódio racial? Não vi até agora nenhum estudo robusto que comprovasse a tese manifesta de que uma única política pública, uma breve experiência, pudesse produzir tão devastadoras conseqüências.
Em sua defesa das cotas, Miriam Leitão critica até a mídia corporativa:
Os órgãos de comunicação têm feito uma enviesada cobertura do debate. Melhor faria o jornalismo se deixasse fluir a discussão, sem tanta ansiedade para, em cada reportagem, firmar a posição que já está explícita nos editoriais. A mensagem implícita em certas coberturas só engana os que não têm olhos treinados. [clique aqui para ler o texto completo].
Esta também é minha opinião. Sou a favor das cotas.
E você, leitor, leitora, o que pensa do assunto? As cotas incentivam o racismo?
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