Roda Viva: Pergunta mal formulada deu margem a Gilmar Mendes fugir pela tangente

A única pergunta de telespectadores que poderia atrapalhar o presidente do STF, Gilmar Mendes, ontem no Roda Viva foi mal formulada (e olha que boas perguntas não faltavam. Só o Idelber listou 25). A pergunta começava pela afirmação de que o irmão do ministro tinha mais de 30 processos e queria saber por que eles nem chegavam à primeira instância.

Foi o suficiente para Mendes ironizar a pergunta e desqualificar a revista, onde foi colhida a informação, acompanhado por risinhos de aprovação dos entrevistadores, pois todos sabiam muito bem de que revista se trata: a Carta Capital, de Mino Carta, que fez uma série de entrevistas mostrando o lado B do presidente do STF.

Mas, então, que tal ir à revista, para ver se ela estava errada ou se a pergunta do telespectador é que foi mal formulada?

Eis trecho da reportagem “Nos rincões dos Mendes” (que pode ser lida na íntegra aqui) que trata dos processos contra o irmão do ministro. De quebra você ainda fica sabendo de duas irregularidades cometidas e que não deram em nada. Até agora.

No caso da Uned [Faculdade de Ciências Sociais e Aplicadas de Diamantino, de propriedade do ministro Gilmar Mendes], o irmão-prefeito bem que deu uma mãozinha ao negócio do irmão. Em 1º de abril de 2002, Chico Mendes sancionou uma lei que autorizava a prefeitura de Diamantino a reverter o dinheiro recolhido pela Uned em diversos tributos, entre os quais o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto Sobre Serviços (ISS) e sobre alvarás, em descontos nas mensalidades de funcionários e “estudantes carentes”. Dessa forma, o prefeito, responsável constitucionalmente por incrementar o ensino infantil e fundamental, mostrou-se estranhamente interessado em colocar gente no ensino superior da faculdade do irmão-ministro do STF.

Em novembro de 2003, o jornalista Márcio Mendes, do jornal O Divisor, de Diamantino, entrou com uma representação no Ministério Público Estadual de Mato Grosso, para obrigar o prefeito a demonstrar, publicamente, que funcionários e “estudantes carentes” foram beneficiados com a bolsa de estudos da Uned, baseada na renúncia fiscal – aliás, proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal – autorizada pela Câmara de Vereadores. Jamais obteve resposta. O processo nunca foi adiante, como, de praxe, a maioria das ações contra Chico Mendes. Atualmente, Gilmar Mendes está afastado da direção da Uned. É representado pela irmã, Maria Conceição Mendes França, integrante do conselho diretor e diretora-administrativa e financeira da instituição.

[Agora o trecho das 30 ações]. O futuro prefeito, Erival Capistrano, estranha que nenhum processo contra Chico Mendes tenha saído da estaca zero e atribui o fato à influência do presidente do STF. Segundo Capistrano, foram impetradas ao menos 30 ações contra o irmão do ministro, mas quase nada consegue chegar às instâncias iniciais sem ser, irremediavelmente, arquivado. Em 2002, a Procuradoria do TCE mato-grossense detectou 38 irregularidades nas contas da prefeitura de Diamantino, entre elas a criação de 613 cargos de confiança. A cidade tem 19 mil habitantes. O Ministério Público descobriu, ainda, que Chico Mendes havia contratado quatro parentes, inclusive a mulher, Jaqueline Aparecida, para o cargo de secretária de Promoção Social, Esporte e Lazer.

No mesmo ano de 2002, o vereador Juviano Lincoln (ele mesmo, o candidato da família) fez aprovar uma lei municipal, sancionada por Chico Mendes, para dar o nome de “Ministro Gilmar Ferreira Mendes” à avenida do aeródromo de Diamantino. Dois cidadãos diamantinenses, o advogado Lauro Pinto de Sá Barreto e o jornalista Lúcio Barboza dos Santos, levaram o caso ao Senado Federal. À época, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), não aceitou a denúncia. No Tribunal de Justiça de Mato Grosso, a acusação contra a avenida Ministro Gilmar Mendes também não deu resultados e foi arquivada, no ano passado.

Como se vê, a acusação é de que nada chegava à primeira instância, mas de que “quase nada consegue chegar às instâncias iniciais sem ser, irremediavelmente, arquivado”. Mas o ministro aproveitou o erro da pergunta e fugiu pela tangente. Poderia ter explicado, pelo menos, os casos em que seu nome está envolvido na reportagem: o da Uned e o da avenida batizada com seu nome - o que é proibido pela Lei n.º 6.454/77:

LEI Nº 6.454

DE 24 DE OUTUBRO DE 1977
Dispõe sobre a denominação de logradouros, obras serviços e monumentos públicos, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPUBLICA, faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei.

Art 1º É proibido, em todo o território nacional, atribuir nome de pessoa viva a bem público, de qualquer natureza, pertencente à União ou às pessoas jurídicas da Administração indireta.

Art 2º É igualmente vedada a inscrição dos nomes de autoridades ou administradores em placas indicadores de obras ou em veículo de propriedade ou a serviço da Administração Pública direta ou indireta.

Art 3º As proibições constantes desta Lei são aplicáveis às entidades que, a qualquer título, recebam subvenção ou auxílio dos cofres públicos federais.

Art 4º A infração ao disposto nesta Lei acarretará aos responsáveis a perda do cargo ou função pública que exercerem, e, no caso do artigo 3º, a suspensão da subvenção ou auxílio.

Art 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Brasília, 24 de outubro de 1977; 156º da Independência e 89º da República.

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