Hoje faz uma semana que a Folha publicou um editorial em que classificou como uma ditabranda, a ditadura que censurou, prendeu, seqüestrou, torturou e assassinou inúmeros brasileiros, entre 1964 e 1985. E até agora ainda não se sabe o que o presidente eleito pela mídia corporativa, José Serra, pensa do assunto.
Para os que não se recordam, ou para os que não leram o editorial, aqui repito o trecho infame:
Mas, se as chamadas "ditabrandas" - caso do Brasil entre 1964 e 1985 - partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça-...
Primeiro, como bem lembrou o Idelber, não há essa categoria “ditabranda”, e o termo, quando usado, não se encaixa nas definições apresentadas pelo editorial. Depois, eu queria entender como alguém pode achar que o que ocorreu no Brasil foi uma ruptura institucional, em que a disputa política e o acesso à Justiça foram preservados, ou existiam em “formas controladas”. E o AI-5? Será que a Folha nunca ouviu falar no AI-5?
Mas essa análise da ditadura como ditabranda tem história na própria Folha, como registrei aqui. O antigo dono do jornal, Octavio Frias de Oliveira, pai do atual, escreveu e publicou o seguinte editorial, em 22 de setembro de 1971, no auge da ditadura:
Editorial: Banditismo
[Publicado em 22 de setembro de 1971]
Octavio Frias de Oliveira
A sanha assassina do terrorismo voltou-se contra nós.Dois carros deste jornal, quando procediam ontem à rotineira entrega de nossas edições, foram assaltados, incendiados e parcialmente destruídos por um bando de criminosos, que afirmaram estar assim agindo em "represália" a noticias e comentários estampados em nossas paginas.
Que noticias e que comentários? Os relativos ao desbaratamento das organizações terroristas, e especialmente à morte recente de um de seus mais notórios cabeças, o ex-capitão Lamarca.
Nada temos a acrescentar ou a tirar ao que publicamos.
Não distinguimos o terrorismo do banditismo. Não há causa que justifique assaltos, assassínios e seqüestros, muitos deles praticados com requintes de crueldade.
Quanto aos terroristas, não podemos deixar de caracterizá-los como marginais. O pior tipo de marginais: os que se marginalizam por vontade própria. Os que procuram disfarçar sua marginalidade sob o rotulo de idealismo político. Os que não hesitaram, pelo exemplo e pelo aliciamento, em lançar na perdição muitos jovens, iludidos, estes sim, na sua ingenuidade ou no seu idealismo.
Desmoralizadas e desarticuladas, as organizações subversivas encontram-se nos estertores da agonia.
Da opinião pública, o terror só recebe repudio. É tão visceralmente contrario às nossas tradições, à nossa formação e à nossa índole, que suas ações são energicamente repelidas pelos brasileiros e por todos quantos vivem neste país.
As ameaças e os ataques do terrorismo não alterarão a nossa linha de conduta.
Como o pior cego é o que não quer ver, o pior do terrorismo é não compreender que no Brasil não há lugar para ele. Nunca houve.
E de maneira especial não há hoje, quando um governo sério, responsável, respeitável e com indiscutível apoio popular, está levando o Brasil pelos seguros caminhos do desenvolvimento com justiça social - realidade que nenhum brasileiro lúcido pode negar, e que o mundo todo reconhece e proclama.
O Brasil de nossos dias é um país que deseja e precisa permanecer em paz, para que possa continuar a progredir. Um país onde o ódio não viceja, nem há condições para que a violência crie raízes.
Um país, enfim, de onde a subversão - que se alimenta do ódio e cultiva a violência - está sendo definitivamente erradicada, com o decidido apoio do povo e da Imprensa, que reflete os sentimentos deste. Essa mesma Imprensa que os remanescentes do terror querem golpear.
Porque, na verdade, procurando atingir-nos, a subversão visa atingir não apenas este jornal, mas toda a Imprensa deste país, que a desmascara e denuncia seus crimes.
Sobre o motivo do ataque aos carros da Folha, nenhuma palavra. Mas uma declaração do jornalista Mino Carta lança luz sobre o assunto:
A Folha de S. Paulo nunca foi censurada. Até emprestou a sua C-14 [carro tipo perua, usado na distribuição do jornal] para recolher torturados ou pessoas que iriam ser torturadas na Oban [Operação Bandeirante]."
Viram só? Esse Brasil da tortura, da censura, para a Folha era o país de um governo sério, responsável, respeitável... onde o ódio não viceja, nem há condições para que a violência crie raízes.
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