Um povo inicia sua inevitável decadência quando começa a desrespeitar sua história. O mesmo acontece aos partidos políticos. Nesse final de semana, o PT deu um passo de Gúliver em direção a sua autodissolução, ao escolher Lindberg em detrimento de Benedita da Silva.
Para quem é de outro estado, historio. Diferentemente de outros lugares, o PT do Rio nasceu como um partido de classe média, ligado a questões ideológicas e ecológicas, com pouquíssima influência dos movimentos populares. Sua participação eleitoral era ridícula.
Só passou a ter chances de chegar ao poder quando a candidata foi aquela “negra, mulher, favelada”, Benedita da Silva. Foi assim que quase-quase a prefeitura do Rio caiu nas mãos do PT em 1992, quando Benedita foi ao segundo turno contra César Maia.
Arrastões (entre aspas), denúncias contra filhos de Benedita, e uma contagem de votos pra lá de suspeita (até hoje há quem jure que... bom, não posso levantar a bola do que não tenho como confirmar), tudo isso levou à vitória de César Maia.
Mas também deu início ao mito Benedita. Em seguida, ela foi eleita a primeira mulher negra senadora do país. Depois, a primeira mulher negra governadora do Estado do Rio de Janeiro.
Participei diretamente dessas campanhas. Como autor dos jingles de todas elas. E como coordenador de uma ou outra. Por isso, lamento profundamente quando o PT escolhe Lindberg e vira as costas a Benedita, numa proporção acachapante.
A história de vida de Benedita, que inclui violência sexual, dramas familiares, dificuldades financeiras e luta, muita luta por uma sobrevivência digna, enche de orgulho especialmente grande parte dos negros do estado e do Brasil, que a reconhecem como liderança na luta contra a discriminação e o preconceito.
Tudo isso o PT do Rio apaga, quando entra em cena o mocinho lindinho, que um dia diz uma coisa e no outro diz outra, recém-chegado ao PT, e com uma história à frente da prefeitura de Nova Iguaçu recheada de escândalos, que ainda não foram esclarecidos e já começaram a vir à tona.
Pior é que Benedita, como mulher do Partido, ainda vai acabar aceitando concorrer a uma vaga como deputada federal. E, por ironia, com o caminhão de votos que conseguir ainda vai eleger uma penca de outros que a traíram nas prévias. É o destino de Benedita no PT.
A menos que ela queira mais uma vez contrariar os prognósticos e se reinventar para surpresa de muitos. Entregar a Secretaria a Cabral, retirar-se do PT e se preparar para realizar o sonho de sua vida: ser prefeita do Rio de Janeiro. Alguém duvida que ela possa conseguir?