Hoje li dois textos que vou compartilhar com vocês: um artigo e uma reportagem. O artigo, li no VioMundo, do Azenha, e foi escrito pelo MC Leonardo. A reportagem está publicada na Folha.
Primeiro, o artigo, de que publico trecho (a íntegra está no link acima):
Agora, a reportagem excelente de Laura Capriglione e Marlene Bergamo, que reproduzo na íntegra:
Primeiro, o artigo, de que publico trecho (a íntegra está no link acima):
O resultado dessas ações é mostrado na televisão, e se resume a uma quantidade de armas e drogas apreendidas, uns três ou quatro corpos (que na grande maioria das vezes são de bandidos) e um pronunciamento da Secretaria de Segurança para dizer o que foi feito lá dentro.
Mas o verdadeiro resultado ninguém fica sabendo. A polícia não pode falar devido à sua hierarquia militar. O favelado também não fala, por medo não só dos bandidos, mas dos próprios policiais, restando assim uma carta da secretaria em cima da mesa das redações editoriais, para que publiquem o que for mais conveniente para o Governo do Estado.
Crianças sem estudar é um resultado péssimo para um estado que vise acabar com a violência. No entanto, as horas de aulas perdidas não são contabilizadas.
O número de pessoas que foram mandadas embora de seus empregos por causa dos números de dias faltados por conta desse combate não é contabilizado.
O número de pessoas que não podem abrir seus comércios devido a essas ações dentro e próximos a essas localidades e que dependem diretamente deles para viver e pagar seus funcionários (que na maioria das vezes são moradores das favelas) não é contabilizado.
O número de pessoas que sofreram alguma sequela como síndrome do pânico ou até depressão depois de ter ficado na linha de tiro entre policia e bandido não é contabilizado.
O número de policiais e de seus familiares com problemas psicológicos também não é contado.
Os verdadeiros números, quando forem realmente analisados e discutidos de maneira séria por toda sociedade, poderão fazer toda diferença na hora de pensarmos em dias melhores para a o estado do Rio de Janeiro.
Agora, a reportagem excelente de Laura Capriglione e Marlene Bergamo, que reproduzo na íntegra:
Onde estão os mortos?
Houve 37 mortes nas operações da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão; não se sabe como ocorreram nem quem era bandido ou inocente
O adolescente Davi Basílio Alves, de 17 anos, morreu na quinta-feira (25/11). Soldado do tráfico -a própria família o admite-, o jovem foi alvejado por policiais e caiu morto em uma rua de terra da Vila Cruzeiro, quando tentava fugir para o Complexo do Alemão. A mãe de Davi mora em uma viela suja, pichada com um imenso C.V. do Comando Vermelho, na parte baixa da favela.
A mulher logo recebeu a notícia de que o filho não conseguiu escapar. Quando o tiroteio amainou, ela correu ladeira acima. Viu Davi morto ao lado de um campinho de futebol e pediu aos soldados vasculhando as quebradas em busca de armas e drogas para que removessem o corpo de lá.
"Eles disseram que tinham mais o que fazer. Que, se ela tinha sido capaz de pôr um bandido no mundo, seria capaz também de enterrá-lo", rememorou uma vizinha.
A mãe telefonou para a funerária. "Disseram que não dava para fazer o trabalho." E não dava mesmo. Rajadas de tiros ainda cortavam a favela.
Choveu na noite de quinta. A manhã úmida veio com um calor de 29ºC na sexta. O corpo do adolescente grandalhão começou a incomodar. Rondavam urubus, que se empoleiravam às dezenas na torre de transmissão elétrica, a poucos metros dali.
AOS PORCOS
Das mais de 20 pocilgas localizadas nos terrenos baldios próximos, saíam porcos magros, em estado de fome crônica. No sábado, o cadáver amanheceu dilacerado.
A mãe arrumou um carro -a vizinhança já não suportava o cheiro. O corpo foi enrolado em uma lona e conduzido ao Hospital Getúlio Vargas, na Penha.
Oficialmente, o jovem morreu naquele dia. Ficou assim registrado na planilha divulgada pelo Instituto Médico Legal: Davi Basílio Alves, 17 anos, pardo, Vila Cruzeiro. Só.
Para a Polícia Militar, 37 pessoas morreram em confrontos polícia-bandidos desde o dia 21 na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão.
Todo dia, a corporação solta um balanço das operações. Coisa sucinta, contabiliza mortos junto com número de garrafas PET e litros de álcool e gasolina apreendidos. Nenhum nome.
Para a Secretaria de Segurança Pública, morreram 18 pessoas (17 identificadas).
O número refere-se aos cadáveres produzidos a partir do dia 25. Os mortos entre os dias 21 e 24, a secretaria não contabiliza. E diz que nem o Instituto Médico Legal do Rio tem dados referentes aos mortos desse período, apesar de todos os corpos recolhidos nas favelas sinistradas pela violência terem sido encaminhados para lá.
INOCENTES
Coincidentemente, a contabilidade da Secretaria de Segurança Pública, omitindo as estatísticas anteriores ao dia 25, evita mencionar incômodas mortes de inocentes óbvios. Como a da adolescente Rosângela Barbosa Alves, 14, atingida por um tiro nas costas enquanto estudava dentro de casa, na frente do computador. Ou a da dona de casa Janaína Romualdo dos Santos, 43, e de um idoso -todos atingidos por balas perdidas.
Sobre as mortes ocorridas a partir do dia 25, o IML nada informa a respeito das circunstâncias em que elas aconteceram. Diz que os "detalhes sobre os laudos são peças de investigação e não serão divulgados".
Assim, não se sabe se houve tiros à queima-roupa, ou o número de perfurações nos corpos, ou se houve concentração de disparos na cabeça. Nem sequer se sabe se alguém morreu esfaqueado.
SILÊNCIO
A Folha pediu para entrevistar um perito do IML. Resposta: "Infelizmente, não há perito disponível para conceder entrevista sobre o laudo cadavérico dos corpos".
"Esse tipo de silêncio seria inadmissível se os mortos fossem moradores ricos de Ipanema, mas, como é gente pobre, vale tudo", disse uma professora da Vila Cruzeiro.
O segurança Rogério Costa Cavalcante, 34, aparece em uma lista de mortos como um dos "traficantes que trocaram tiros com os policiais", segundo informação oficial da assessoria de comunicação da Polícia Civil do Rio.
Das poucas coisas que se sabe sobre os mortos nos confrontos dos últimos dias, uma das mais certas é que Rogério Costa Cavalcante não trocou tiros com os policiais. Ele foi alvejado bem na frente das câmeras de fotógrafos e cinegrafistas.
Tinha os bolsos cheios de convites para a festa de aniversário de seu único filho. Iria entregá-los quando deu o azar de ficar entre os fogos da polícia e dos traficantes.
Cavalcante caiu com um buraco na barriga, pediu socorro e desfaleceu na frente das câmeras. A Primeira Página da Folha de sábado passado (27/11) publicou a foto.
SEM AUTORIDADE
O homem foi enterrado no cemitério do Catumbi na terça-feira (30/ 11). Com a polícia acusando-o de ligação com o tráfico, nenhum representante do Estado achou necessário levar solidariedade à família. Da imprensa que se acotovelava no Complexo do Alemão quando Cavalcante foi atingido, só a Folha acompanhou o enterro.
O Ministério Público ainda aguarda a conclusão dos inquéritos sobre as mortes, para entrar na história. Isso pode demorar até 30 dias.
Na última quinta-feira, um grupo de ONGs com atuação na área dos confrontos reuniu-se para "construir uma agenda propositiva para o conjunto de favelas do Alemão". Pediam investimentos do governo. Sobre os 37 mortos, nenhuma palavra.
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