Há muitos anos, conheci uma menina. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Porque tinha tudo para ser um desastre.
Eu estava com minha timidez numa lanchonete. Coisa que nunca faço. Quando a avistei, de um outro lado do balcão. Ela comia alguma coisa avidamente. Linda. Mais que linda. Ela parecia uma cigana, com uma energia estranha e encantadora, como o chacoalhar de brincos, colares e pulseiras.
Estranho: ela parecia me olhar. Mas, como? Ela, uma quase adolescente, com todo aquele brilho e alegria, olhando pra mim, velho antes do tempo, tímido, com o terror patológico do outro...
Não podia ser. Então eu a mirava de esgueira, e me alegrava, e torturava, ao confirmar que ela, sim, estava olhando muito interessadamente para mim.
Não podia mais resistir. Tinha que sair rapidamente dali. Eu só poderia ser para ela o homem errado no lugar errado, pois nunca me encontrariam onde ela me encontrou, naquela lanchonete comendo um cachorro-quente com refresco de maracujá. Eu não era, não sou, esse homem.
Mas, quando saí, quando andava com o coração na boca, com sentimentos contraditórios de que não deveria ter saído da lanchonete e me afastado daquela força que me olhava definitivamente, uma voz me chamou, e eu tive certeza de que era ela, embora me parecesse muito atrevimento. Ou por isso mesmo.
E era. Ela me perguntou se eu tinha cigarros, ou me pediu fogo para acender o seu. Naquela época eu fumava. Acendi o cigarro, eu também em chamas, pois a força que vinha dela era ainda mais forte à medida em que se aproximava de mim.
Aproveitei a esquina e a dobrei. Tinha que fugir dali, não porque não quisesse exatamente o oposto, mas porque não podia acreditar que aquilo estivesse acontecendo comigo exatamente num dia em que resolvi fazer o que nunca fazia: ir à lanchonete e comer o que já lhes disse.
Pensei que dobrando a esquina aquilo tudo voltaria a ser o que havia sido, apenas um acontecimento na vida de minhas retinas etc. Sai o homem da lanchonete e volto a ser um homem que não frequenta lanchonetes e jamais toma refresco de maracujá.
Mas ela me surpreendeu e perguntou meu nome, ainda a meu lado, como se realmente me seguisse.
O mundo parecia correr créditos na minha cabeça, e frases e palavras e nomes, eu devo ter demorado dois anos para responder aquela simples pergunta: - Qual o seu nome?
E eu respondi com outra pergunta: - Por quê? Sim, o paranoico, o esquizo-paranoico tinha que perguntar por quê, em vez de simplesmente responder o nome.
Mas ela me salvou (como viria a me salvar inúmeras outras vezes na vida), e respondeu o óbvio, "porque estamos andando juntos", claro, andando juntos, estamos, nós, eu e ela, era isso, e eu disse meu nome e ela, o dela.
Já que tínhamos nomes,a conversa começou a fluir, especialmente graças a ela, que era toda espontaneidade, alegria, potência, porvir.
Hoje, ela faz aniversário. E, desde aquela época, sempre estou com ela nesses dias. Acompanho o passar dos anos dessa menina, que recém havia completado 18, quando nos conhecemos.
É a pessoa mais determinada, mais íntegra e corajosa que conheci. E também, quando quer, a mais doce, leve, encantadora, surpreendente.
Estamos juntos há muito tempo. É a pessoa mais próxima a mim que conheço. Talvez até mais próxima que eu mesmo...
Ela me proporcionou os dois melhores dias de minha vida: o dia em que a conheci e o do nascimento de nossa filha.
Continuo com o projeto de um dia poder devolver a ela um pouco do inusitado, da alegria, da potência do dia em que nos conhecemos e ela mudou para sempre a minha vida.
Hoje é aniversário dela. Mando flores, dou presente, digo palavras, faço carinhos, mas gostaria de ser aquele homem da lanchonete que ela fantasiou naquele dia e que a fez ir até ele. E que esse homem lhe desse as alegrias que ela já me deu.
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