Ministro Gilmar Mendes, quando sua família vai devolver aos guaranis as terras que lhes pertencem?



Encerrando pronunciamento no Senado, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) deixou no ar uma acusação contra a família do ministro do STF Gilmar Mendes:

(...) acho oportuno lembrar que a família do Ministro Gilmar Mendes [do Supremo Tribunal Federal], que é do Mato Grosso do Sul, é uma das grandes [...] [ocupadoras] de terras indígenas. [...]
A lembrança do senador caiu no silêncio. O ministro a ignorou solenemente. Logo ele, tão loquaz. No entanto, a lembrança do senador serve mais uma vez como denúncia do crime continuado que vem sendo praticado contra os guaranis.

Após a chegada dos europeus à América do Sul, cerca de 500 anos atrás, o povo guarani foi um dos primeiros a serem contatados. Atualmente, vivem no Brasil aproximadamente 51 mil índios guaranis em sete Estados diferentes, tornando-os a etnia mais numerosa do País, a qual está dividida em três grupos: kaiowá, ñandeva e m'byá, dos quais o maior é o kaiowá, que significa "povo da floresta".

Profundamente afetados pela perda de quase todas as suas terras no século passado, o povo guarani sofre uma onda de suicídio inigualável na América do Sul. Os problemas são especialmente graves no Mato Grosso do Sul, onde a etnia já chegou a ocupar uma área de florestas e planícies de cerca de 350 mil quilômetros quadrados. 

Hoje em dia, os índios vivem espremidos em pequenos pedaços de terra cercados por fazendas de gado e vastos campos de soja e cana-de-açúcar. Alguns não têm terra alguma e vivem acampados na beira das estradas.

Em outras palavras, nos últimos 500 anos, praticamente todas as terras dos guaranis no Mato Grosso do Sul foram tomadas deles. Ondas de desmatamento converteram as terras férteis dos guaranis em uma vasta rede de fazendas de gado e plantações de cana-de-açúcar. Muitos dos guaranis estão amontoados em pequenas reservas, que estão cronicamente superlotadas. Na reserva de Dourados, por exemplo, 12 mil índios vivem em pouco mais de 3 mil hectares.
A destruição da floresta fez com que as práticas da caça e da pesca sejam impossíveis, e não há mais terra suficiente até mesmo para plantar. A desnutrição é um problema sério e, desde 2005, pelo menos 53 crianças guaranis morreram de fome.
Ainda em seu discurso, o senador Suplicy destacou trechos de um artigo da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, membro da Academia Brasileira de Ciências e Professora Titular aposentada da Universidade de São Paulo e da Universidade de Chicago:

A Constituição de 1988 inaugurou entre os índios guarani espoliados a esperança de que agora se encontravam em um "tempo do direito". [No entanto...]  há a tentativa de aplicação automática da controversa teoria do "marco temporal", segundo a qual a Constituição de 1988 só garantiria aos índios as terras que eles estivessem ocupando no dia da promulgação da Carta Magna.

Como disse um líder kaiowá ao protestar recentemente em Brasília: “A coisa está tão absurda que hoje querem nos penalizar por termos sido expulsos de nossos territórios. Querem que assumamos a culpa pelo crime deles. Durante décadas nos expulsaram de nossa terra à força e agora querem dizer que não estávamos lá em 1988 e, por isso, não podemos acessar nossos territórios?”.

Segundo o Prof. Dalmo de Abreu Dallari, "Os que se diziam ou se dizem proprietários das terras indígenas alegam que receberam essas terras do governo do Estado de Mato Grosso. Ocorre, entretanto, que, desde o tempo do Império, as terras consideradas não ocupadas pertenciam ao governo central e, com a proclamação da República, passaram a ser parte do patrimônio da União. Assim, as doações de terras feitas pelo Estado de Mato Grosso não têm valor legal".

O STF pode começar a fazer Justiça devolvendo aos guaranis as terras que lhes pertencem. A começar pela família de um de seus ministros, o tonitruante Gilmar Mendes.


Madame Flaubert, de Antonio Mello