Haddad com pessoal da VICE |
Excelente e reveladora entrevista do prefeito de São Paulo Fernando Haddad ao VICE. Uma entrevista longa, fora da agenda-setting, com perguntas sobre temas que, duvide-o-dó, a maioria dos prefeitos anteriores soubesse responder - ou, mais, soubesse até do que se trata.
Haddad se mostra preparado. Fala dos assuntos com conhecimento, e se mostra preparado para o debate da reeleição, ou - mais ainda - para cargos ainda mais altos à frente.
Se você quer fugir da pauta da mídia corporativa, leia esta entrevista. Você não vai saber mais apenas de Haddad, mas de São Paulo.
Destaco alguns trechos:
Acho que, até por formação, gosto de ouvir. Pra você dar uma aula, você tem de ouvir, entre aspas, muito. Você tem de ler muito. Ler é uma forma de ouvir o que os outros estão falando. Essa percepção das pessoas do dia a dia é muito melhor do que em geral se imagina. Vou citar um exemplo: tinha um estrangulamento de trânsito lá em cima na M'boi Mirim - Jardim Capela, o pessoal chama ali. Eu fui visitar a área com os técnicos da CET, e eles estavam descrentes de que a solução pedida pela comunidade, que era a duplicação da ponte, daria resultado. O que foi pedido pela comunidade resolveu o problema para surpresa dos próprios técnicos quando voltaram lá. O que eu quero dizer com isso é que essas soluções que vêm da própria comunidade no caso da cidade são um conhecimento muito precioso. A pessoa tá morando ali há 15, 20 anos, tá olhando para aquele problema há muitos anos. Então, quando ela faz uma sugestão, você pode ter certeza de que a pista é boa. Quando eu tô na rua, gosto de ouvir as pessoas criticando, recomendando. Me dá prazer.
(...)
Olha, o que aconteceu com o funk foi uma coisa muito parecida com o que aconteceu com tudo em São Paulo, né? Não queremos criminalizar. Dada a proliferação de pontos de fluxo na cidade, era absolutamente impossível você contratar agentes públicos pra, de madrugada, irem a todas essas localidades e sair multando. Nós temos de administrar a situação nos aproximando dos organizadores. Aí, outro estigma: "Quem organiza o funk é o tráfico". Não é verdade. Pode ser que 10% dos bailes possivelmente sejam organizados por pessoas ligadas ao tráfico, mas, em 90% dos casos, isso não é verdade. São jovens querendo se divertir numa cidade dura. Nós fizemos reuniões com centenas de organizadores em todas as regiões da cidade. Resultado: de 2014 pra 2015, caiu [em] 75% a reclamação do funk na cidade de São Paulo. Em um ano de trabalho. E a nossa conversa com eles foi muito franca: "Olha, o gênero musical [de] que vocês gostam é problema de vocês. Gênero musical é cultura. Se for samba, pagode, o que for, a gente vai compreender. O lazer de vocês a gente também entende. A falta de espaço na cidade, falta de horários, falta de suporte a gente também entende. Em contrapartida, o que estamos pedindo pra dar suporte pra vocês é o seguinte: os pais, os tios, os avós de vocês e a comunidade precisam descansar pra trabalhar no dia seguinte. Vamos tentar estabelecer o mínimo de conforto pra todos? Vamos tentar explorar o território de maneira a identificar pontos. O desconforto do som vai ser menor". É muita gente. Eu não saberia estimar o número de pessoas que vão a esses bailes, mas não é pouca coisa.