O delegado da polícia de Minas Rodrigo Bossi de Pinho morreu no primeiro dia do ano, vítima de câncer
Curiosamente, o homem que o delegado Rossi investigou obstinadamente, sob silêncio e ameaças da imprensa, polícia e Judiciário de Minas, Aécio Neves, quase morreu na passagem do réveillon também.
Segundo informou a imprensa (como acreditar na mídia corporativa quando se trata de um dos seus, como Aécio, Serra e FHC, por exemplo?), Aécio teve uma crise de apendicite. No Twitter, o comentário foi que a crise aconteceu no apêndice nasal...Aécio sobreviveu a mais essa crise.
Já o delegado Bossi não teve a mesma sorte. O câncer de esôfago acabou com sua vida no dia 1º do ano, sem que ele tivesse conseguido levar Aécio a pagar pelos crimes que teria cometido, e que outros cometeram para protegê-lo.
A repórter Conceição Lemes escreveu sobre a heróica luta do delegado e o vergonhoso papel da mídia e do Judiciário mineiros, no Viomundo.
O ano de 2020 começou mal.Leia mais no Viomundo, inclusive a emocionante despedida da esposa do delegado.
Rodrigo Bossi de Pinho, ex-delegado da Polícia Civil de Minas Gerais, encantou-se, como diria Guimarães Rosa.
Um câncer de esôfago, agressivo e com metástases, diagnosticado em fevereiro de 2019, levou-o no primeiro dia de janeiro.
Ele tinha apenas 51 anos.
À frente do Departamento de Fraudes, o delegado Bossi e equipe (ele a valorizava muito) conduziram as investigações que desmascararam uma farsa de mais de uma década envolvendo a turma do tucano Aécio Neves (ex-governador, ex-senador, atualmente deputado federal).
Eles demonstraram tanto a inocência do jornalista Marco Aurélio Carone, editor do NovoJornal, quanto do ex-lobista Nílton Monteiro.
Eles tinham plena convicção de que Carone e Nilton foram vítimas de uma organização criminosa que operou em Minas Gerais para perseguição política.
Carone ficou preso preventivamente de 20 de janeiro a 4 de novembro de 2014.
Nilton, de maio de 2013 a 4 novembro de 2014.
Em 14 de junho de 2018, voltou a ser encarcerado devido à condenação em segunda instância. Foi solto em 20 de dezembro do mesmo ano.
Meu primeiro contato com o doutor Rodrigo Bossi foi em 20 de março de 2018, via whatsapp.
Disse-lhe que gostaríamos de entrevistá-lo sobre as delações de Marcos Valério e Nilton Monteiro (ele começava a tocá-las) e principalmente a respeito das megapressões que estava enfrentando.
Pudera. Estava lidando com todo o esquema de corrupção montado pelo grupo político de Aécio, com ramificações na Polícia Civil, Ministério Público Estadual e Poder Judiciário.
Na sequência, trocamos estas mensagens:
— Gostaria muito de dar a entrevista, mas estão boicotando. Toda entrevista tem que ter autorização da Ascom [Assessoria de Comunicação]. Não estão liberando.
— Boicotando, como?
— Não estão me deixando falar. Têm o rabo preso. E, ainda por cima, estão conchavando para as eleições.
— Eles negam a entrevista e mandam eu dar a desculpa de que estou indisposto, tive um problema na família etc.
O delegado Rodrigo Bossi mexeu talvez no maior vespeiro do sistema político-judicial-policial mineiro, até então intocado.
Tanto que, àquela altura, já estava sendo perseguido dentro da instituição, atacado pela mídia local e por deputados suspeitos de corrupção. Até ameaçado de morte pelo delegado Márcio Nabak, ele foi.
Mesmo diante de todo esse massacre, esferas maiores do governo Fernando Pimentel (PT) não liberavam o delegado para dar entrevista e colocar as coisas em pratos limpos.
Tampouco o defendiam.
Também não se moviam para conseguir direito de resposta às calúnias recebidas por ele.
— Minha esposa está muito puta com tudo o que está acontecendo e vem escrevendo no Facebook — disse-me.
Na época, Sandra Fagundes Fernandino, é o nome da esposa, indignada com o ataque recebido pelo marido via O Estado de Minas, reagiu com um texto contundente em seu perfil do Facebook:
Depois da morte chocante em que tentaram calar a Marielle Franco, hoje a bala foi disparada para calar meu marido, Rodrigo Bossi de Pinho, delegado chefe do Departamento de Fraudes da Polícia Civil de MG. Investigando fraudes cometidas nos processos que invalidaram a famosa “Lista de Furnas”, Rodrigo vem sendo perseguido por muitos, inclusive por membros e representantes da própria Polícia Civil, que direta ou indiretamente poderão ser afetados pelas suas investigações.
Em casa, já estamos acostumados com boatos e informações inverídicas que correm nos bastidores da Polícia.
Entretanto, o que me choca ainda mais, é ver o jornal Estado de Minas, se prestar a este tipo de perseguição baixa, sem fundamento, ouvindo um delegado que presidiu o inquérito no passado e que, provavelmente, está se sentindo ameaçado. E a reportagem vem bem no momento em que Marcos Valério assina a sua delação com o Dep. de Fraudes, garantindo ter provas que comprovam fatos da investigação.
É chocante como parte da nossa imprensa ainda se presta ao papel infame de garantir o poder dos poderosos a qualquer custo e de desprezar a sua função primordial de informar a população. A foto [de Rodrigo com Nilton] foi tirada por um policial da Fraudes, que ao ser flagrado pelo próprio Rodrigo foi questionado, em tom de brincadeira, se ele iria vender a foto ao Márcio Nabak. E provavelmente foi o que aconteceu … mas Rodrigo não se importou em requisitar a foto, pois não tem relação pessoal nenhuma com o delatante da foto e nada tem a esconder.
Mas a grande ironia da reportagem ficou para a sua última linha … em que menciona que o delegado Rodrigo não se pronunciou … A VERDADE É que ele nunca foi procurado pelo Estado de Minas para se defender. Se o Estado de Minas fosse um jornal sério, teria trocado esta última informação por INFORME PUBLICITÁRIO.
Mesmo sabendo que a provável resposta seria não, consultei as instituições.
Solicitei a entrevista à assessoria de imprensa da Secretaria de Defesa Social de Minas Gerais.
Frisei que o doutor Rodrigo havia concordado, mas que me alertou que era necessário antes a autorização da Ascom.
Disse também que ninguém da imprensa em Minas estava conseguindo entrevistar o delegado e perguntei: Existe restrição da própria instituição?
A assessoria de imprensa da Secretaria de Defesa Social enviou a demanda do Viomundo para a Ascom da Polícia Civil.
A resposta foi não, é claro.
Isso aconteceu pelo menos umas três vezes.
Infelizmente, além de alvo dos ataques do pesado esquema de Aécio Neves, doutor Rodrigo foi vítima do governo Pimentel, que sequer lhe deu o apoio prometido para levar adiante as investigações.
Diante de tudo isso, fiz-lhe a pergunta óbvia: Por quê?
Rápido, respondeu: Conceição, o Governo Aécio não acabou!
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