Janio de Freitas: 'Tudo o que importa para o presente e o futuro da nação e seu povo, foi devastado, abandonado, negado, traído em 2019'
Em sua coluna dominical na Folha, o jornalista critica governo Bolsonaro-Guedes
Leia a seguir trecho da coluna de hoje de Janio de Freitas:
Não incluí votos de Natal e de Ano-Novo, nem mesmo sisudos, nos textos recentes. Senti que, sem ressalvas, cometeria alguma hipocrisia, não crendo na possibilidade do que diria. E ressalvas não eram próprias para a ocasião. Não duvido de que parte das previsões otimistas para 2020 venha de convicções e esperanças verdadeiras —o que, em todo caso, não se confunde com fundamento. Não foi assim, porém, a maioria do que se leu e ouviu.
A sinceridade não é bem vista, com escassas hipóteses de exceção. Esse é um vício forte e muito difundido do jornalismo, não só o nosso. Os viciados constrangidos recorrem à dubiedade, ao negativo seguido da compensação positiva. Nada os impedindo, nem aos mais extremados, de mostrar nas suas relações o oposto do que escrevem ou dizem como profissionais.
A economia é um campo pródigo nesses tipos, muito mais extenso e nefasto do que qualquer outro. Nem por isso a prática é menos comum na política.
Nestes dias, um exemplo à mão: a imprensa e o jornalismo eletrônico dos Estados Unidos estão repletos de artigos críticos a Trump, pelo risco de guerra que abriu para provável neutralização do seu impeachment, mas também justificadores da pretensa defesa da honra nacional, ou coisas assim. “Tudo é relativo”, ouve-se cá e lá. Mentira. A integridade profissional, entre outras, não é.
As obrigações e programas sociais de governo foram devastados em 2019 e ainda mais esmagados por Paulo Guedes e Jair Bolsonaro no planejamento para 2020. O Bolsa Família perde R$ 2,5 bilhões. Foram reduzidos à metade os insuficientes recursos para fiscalização trabalhista, sendo o Brasil um caso escandaloso de desrespeito às normas e à segurança no trabalho.
O programa de Educação de Jovens e Adultos só recebeu em 2019 R$ 16 milhões até meados de dezembro, 1,6% do que já recebia em 2010, chegando em 2012 a R$ 1,6 bi, com fantástica recuperação de jovens e adultos que deixaram a escola.
A Presidência da República, que concentra a direção de toda a propaganda governamental, faz publicidade na CNN do avanço no programa de moradias proporcionadas pelo governo. É mentira. A verba para 2020 foi reduzida à metade da fixada para 2019, já cortada.
A saúde, o ensino universitário, o emprego, a cultura, o patrimônio histórico, a remuneração do trabalho, a conservação e a fiscalização ambiental, a infraestrutura, o saneamento, a população indígena —tudo isso, tudo o que importa para o presente e o futuro da nação e seu povo, foi devastado, abandonado, negado, traído em 2019, e está ainda mais roubado ao país no planejamento oficial do governo para 2020.
Votos de um ano feliz sob esta realidade e esta perspectiva exigem uma ponderação. Diretos, pessoais, são expressões de sentimentos afetuosos ou cordiais. É tão bom dizê-los como os receber. Ditos de público, sua generalização confunde-se com o próprio país. No caso, o país que se antevê frustrado, fracassado, demolido.
Há quatro meses, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo, advertia: “Um novo e sombrio tempo se anuncia”. É nele que estamos. Por tudo o que o governo Bolsonaro-Guedes faz e começa a ampliar, nosso tempo sombrio não é sequer aquele do túnel, porque então haveria luz no seu fim. É no tempo sombrio de uma caverna que entramos.
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