'O Judiciário se corrompe quando usa de seu poder para favorecer a corporação em prejuízo do interesse público'



O Judiciário brasileiro no banco dos réus


Não se pode falar em combate à corrupção brasileira sem dizer que ela se alastra também por um Judiciário corrompido por benesses indignas, ainda mais num país com milhões de pessoas abaixo da linha da miséria, como o nosso.

Excelente reflexão de Conrado Hübner Mendes publicada na Folha.
O juiz virtuoso não sai eticamente ileso 

Semana passada afirmei que a magistocracia age para a autopreservação de uma instituição corrupta. Corrupção não é apenas categoria jurídica para criminalizar o indivíduo que surrupia, mas conceito sociológico e moral para se classificar e avaliar instituições. O Judiciário se corrompe quando usa de seu poder para favorecer a corporação em prejuízo do interesse público.
Afirmei também que pornografia é a palavra apropriada para sintetizar não só a remuneração da magistocracia no contexto da desigualdade brasileira, mas os métodos pelos quais produz o Judiciário mais caro do mundo. Se você acha os salários pornográficos, procure saber sobre os métodos.
Dei exemplos: a magistocracia rentista é capaz de negociar constitucionalidade em troca de aumento; capaz de dizer, sem corar, que juiz não é qualquer um, que merece férias e auxílios extraordinários porque seu trabalho tem tipo e intensidade únicos.
Recorre também a artifícios de linguagem: não recebe aumento, mas “reposição inflacionária”; benefícios não são remuneratórios, mas “indenizatórios” (por isso não são tributados nem se sujeitam ao teto); grita “equiparação” para denunciar a injustiça de não ter salário igual a outra carreira qualquer.
A magistocracia não costuma dialogar em público, mas age nos bastidores. De lá chegam críticas. Como aquela que me escreveu, tempos atrás, um desembargador. Manifestou “veemente repúdio”. Afinal, entre milhares de juízes, a “grande maioria” seria “honesta, trabalhadora e dedicada”.
Disse também: “Jogadores de futebol ganham bilhões e ninguém fala nada”; “somos uma classe com baixo poder aquisitivo”; “o professor de Harvard, meu amigo Michael Sandel, ganha US$ 50 mil e ninguém diz nada por ser um talento”; “há mais coisas entre o céu e a magistratura do que se imagina”.
É uma resposta recorrente. O complexo do injustiçado aflige o juiz virtuoso.
Michael Sandel, quem diria, já palestrou no STF a respeito. E perguntou: “Qual das formas de corrupção é mais perniciosa à democracia, a explícita, como o recebimento de propinas, ou essa, na qual o dinheiro que corrompe a política é legal?”.
Pediu a juízes brasileiros um desempenho ético especial: “Tornem-se inspiração para que cidadãos pensem em seu próprio papel na democracia e em sua responsabilidade de se engajar em discussões sobre justiça, o bem comum e o que significa ser um cidadão”.
Sandel é especialista em justiça, não em sistema de justiça brasileiro. Se fosse, perceberia que o desafio de “inspirar pelo exemplo” é mais complexo do que pensava.
De um lado, há uma instituição que resiste a pressões de democratização interna e de controle externo, e se blinda por meio de práticas espúrias. De outro, há aquele juiz virtuoso e trabalhador que pergunta se há forma de se redimir eticamente dentro de instituição com vícios desse naipe.
A tensão entre ética individual e moralidade institucional ocupa pensadores há muito tempo. Ninguém sai eticamente ileso ao se beneficiar passivamente de um arranjo injusto. Essa máxima da filosofia moral vale para escolhas práticas em geral. Vale para mim e para você, conforme nossas circunstâncias, privilégios, poderes e atos. Vale também para a escolha de integrar qualquer instituição particular.
Enquanto o judiciário brasileiro continuar a aplicar seu repertório da baixa política para perpetuar sua estrutura antirrepublicana, o juiz virtuoso terá de resolver esse ônus ético consigo mesmo. A virtude privada e silenciosa, por si só, não o libera da responsabilidade dessa escolha.
Trabalhar no seu canto enquanto penduricalhos ilegais caem na conta bancária e colegas da cúpula fazem o jogo sujo que favorece a todos (como a liminar monocrática do auxílio-moradia, que nunca foi ao plenário do STF e custou em torno de R$ 5 bilhões), não bastará. Dizer que penduricalhos são legais porque assim disse o Judiciário, não bastará. Manuais chamam isso de enriquecimento ilícito.
Falta uma resposta digna do debate franco e horizontal. Com menos intimidação, mais respeito. Com mais informação, um pouco menos de barganha.

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