'Não vai acabar bem, não há como', por Janio de Freitas

Charge de Aroeira

Como sempre, fundamental a leitura das colunas dominicais de Janio de Freitas


Obsessão armamentista de Bolsonaro é necessária para conflagração contra perda do poder

Não vai acabar bem, não há como —começo, forçado pelas circunstâncias, com esta frase jornalisticamente velha, que ainda antes da posse de Bolsonaro gravei para o importante site de Bob Fernandes e aqui pôde ser encontrada nos primórdios do atual governo. Não era previsão, era só uma obviedade de que muitos olhares preferiram desviar, por diferentes motivos, desde temores talvez inconscientes à ganância já rica.
Situações com muitos componentes da tensão levam à imprevisibilidade intransponível, ou quase, sobre seu desfecho. Consegue-se formular umas poucas hipóteses, mas as variações imprevistas são sempre mais numerosas. É diante de hipóteses inumeráveis que estamos.
Bolsonaro, seu filho Eduardo e outros desatinados fizeram, contra o Supremo Tribunal Federal, novas ameaças golpistas. Os generais Hamilton Mourão, Augusto Heleno, Luiz Eduardo Ramos e Braga Netto puseram nos seus currículos sucessivas negações de risco de golpe. Declarações de Augusto Heleno, porém, estão com sua autoridade moral cassada pelo próprio, que tanto ameaça com "consequências imprevisíveis" como diz que risco de golpe é só invenção da imprensa.
Apesar de que mentir em depoimento processual seja falta grave e punível, Luiz Eduardo Ramos e Braga Netto foram inverdadeiros nos depoimentos sobre a reunião vergonhosa, pretendendo proteger Bolsonaro. Condutas são mais eloquentes do que palavras.
As de Bolsonaro, mesmo quando restritas a uma gravata com figurinhas de fuzis —como o fotógrafo Joédson Alves, da EFE, percebeu e O Globo publicou—, bastam para sabermos o que e quanto nos ameaça. O seu berro de "acabou!", referindo-se à liberdade do Supremo para decidir contra o bolsonarismo, não foi reação momentânea e isolada.
Seu empenho em desmoralizar o tribunal revela-se como um plano de ação na escalada desde a campanha eleitoral. Com o "cabo e um soldado" suficientes para fechar o tribunal, por exemplo, ou com os prometidos dez integrantes a mais, como desqualificação dos 11 atuais. O que há hoje é uma investida mais coerente com ameaça. Por força do momento.
Esse avanço está em relação direta com outra escalada, a das armas para a população, também iniciada na campanha. Vai agora ao paroxismo como sua companheira, e pelos mesmos motivos.
Bolsonaro tem ciência e domínio, tanto quanto seus filhos maiores, dos comprometimentos que os põem sob riscos judiciais extremos. Sabem desses riscos desde as investigações da estrutura negocista de Sérgio Cabral e do assassinato de Marielle Franco. Este, para agravar os riscos, com implicação de milícias.
As relações e práticas que sujeitam Flávio Bolsonaro a inquéritos criminais foram herdadas de seu pai, eleito para a Câmara Federal quando o filho ocupava seu lugar na Assembleia Legislativa fluminense. Não seria correto, portanto, que o interesse das investigações terminasse em Flávio.
O estado de exasperação constatável em Bolsonaro corresponde à sua situação crítica. Agir, em tal caso, é a sua urgência. Desmoralizar o Supremo, com o decorrente enfraquecimento do Judiciário; dominar o Ministério Público, valendo-se das ambições do procurador-geral da República; submeter a Polícia Federal para conduzi-la, comprar apoiadores parlamentares com cargos públicos e benesses, são providências que marcham, aceleradas, para a primeira frente de combate defensivo de Bolsonaro. A frente desarmada.
A outra é a única explicação possível para a obsessão armamentista, há pouco agraciada com duas medidas tratadas sem a atenção merecida: uma, a liberação da compra de munições; em seguida, o fim da já duvidosa fiscalização, pelo Exército, da posse de armas militares. Essas medidas, como as liberações anteriores e as esperadas para breve, são partes do necessário para uma conflagração contra a perda do Poder. A defesa final.
Ainda não se sabe a favor de quem o tempo corre. Mas não há dúvida de que, contra a insegurança opressiva que nos subjuga, está faltando um grande exemplo de dignidade.







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