Neste Dia dos Pais, um conto inédito do Antonio Mello: 'O menino triste encontra a menina feliz'


Neste Dia dos Pais, um conto inédito do Antonio Mello.
 
O menino triste encontra a menina feliz

Ele era um menino triste. Não é que ele se lembre disso hoje. Mas é o que estava anotado no boletim de fim de ano, em dois anos seguidos.
Primeiro e segundo anos da escola, porque ele pulou o jardim, que seus irmãos fizeram.
Estava lá, escrito nos dois boletins.
“Parece triste? — Sim.”
“Demonstra tristeza? — Sim.”
Não é que o menino triste não achasse graça nas coisas. Ah, não! Ele ria das coisas engraçadas.
E até de coisas tristes que são engraçadas quando acontecem com os outros. Por exemplo, um tombo. Quando é um tombo dos outros é engraçado. Ele ria.
O menino triste ria também de algumas coisas que via na TV, que havia chegado há pouco ao Brasil, quando o menino triste ainda era menino.
Mas não se lembra exatamente do que ria nem de quem. Apenas que não foram muitas as vezes em que ria. Mas que ele ria, ria.
Era um menino triste (pelo menos na observação de duas professoras, em anos distintos), mas ria. Podia ser só de vez em quando. Mas ria.
Isso tudo piorou quando o menino triste foi para o colégio interno, aos oito anos.
Ficava por lá, com vários outros meninos, de segunda a sábado pela manhã. Só via os pais e os irmãos da tarde de sábado às manhãs de segunda, quando voltava ao internato.
Lá, também ria. Mas não se lembra de nada que o fizesse rir. Certamente ria, porque nunca foi mal humorado. Mas não se lembra do quê.
Não sabe se era triste nesse tempo, porque já não havia uma professora a escrever o boletim de final de ano. Aliás, nem havia mais esse boletim de comportamento. Só os das notas do menino triste em Linguagem, Matemática, Geografia, Religião (era um colégio religioso). As notas foram altas no primeiro ano. E caíram muito no segundo.
Depois, o menino deixou de ser menino, mas aquele menino triste nunca o abandonou. Estava sempre ali com ele.
Ele, quando já não era mais menino, continuava a rir e a achar graça das coisas, exatamente como o menino triste.
Mas o menino triste sempre se sentava com ele, dentro dele, guardado num canto só deles.
E muitas vezes olhava pra ele com seus profundos olhos tristes.
E assim foi passando o tempo até que...
... Até o dia em que o menino triste encontrou a menina feliz!
Ah, que alegria! Ela não fez nem falou nada de engraçado (aliás ela nem falava), mas ele se pôs a rir de uma alegria que nunca havia sentido.
Uma alegria que vinha lá do fundo e ele sabia (só ele sabia) que era a alegria que sentia o menino triste lá dentro dele.
Não é que a menina feliz fosse engraçada. Também era. Mas não era isso. Era mais do que isso.
A felicidade dela passava pra ele com uma força, como a luz do sol que nos aquece inteiro. Era assim que sentia aquela alegria.
Um sorriso dela era o bastante para encher o menino triste de uma felicidade que igual ele nunca sentira na vida.
Ela se virava, fazia xixi, cocô, fazia carinha feia para a comida, chorava de dor no estômago — porque tinha refluxo — ele a abraçava, tudo isso com uma alegria!...
Era engraçado. O menino triste ficava feliz e ria, mesmo quando não havia nada engraçado. Apenas por estar perto da menina feliz.
Viam desenhos animados na TV — alguns que nunca assistira, na época do menino triste.
Outros assistira, mas não se lembra de terem a graça que agora tinham, quando assistia ao lado dela, a menina feliz.
Quando ela dormia, várias vezes ele ia até o quarto dela ver se havia acordado. Porque o menino triste gostava de estar com ela.
Porque ele já não era mais triste, graças a ela.
Toda a tristeza do menino triste era como o silêncio da noite em que ela dormia e o menino triste aguardava.
Até que de repente ele ouvia:
— Papaiê, codei!
Era a menina feliz o chamando, avisando ao menino triste que havia acordado.
E ele sai correndo, pulando por cima de todas as tristezas que o acompanharam em sua vida de menino triste, todos os quartos vazios, os silêncios noturnos, a solidão doída.
Ele chegava ao quarto e o sorriso dela iluminava sua vida com uma luz que mil sóis não irradiariam.
E então podiam brincar enfim, do que ela quisesse, o menino triste com a menina feliz.
Pai e filha.





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