'Governo fez de pacientes e da sociedade em geral cobaias de um experimento humano de morte em massa'
Doutores do inferno fazem sociedade brasileira de cobaia
"Que tipo de médico pode estar envolvido nisso? Que motivos têm os 'doutores do inferno'? Alguns médicos alemães buscaram glória contribuindo para o bem-estar da humanidade —humanidade apenas como abstração. Estavam comprometidos com uma ciência que lhes permitisse a experimentação humana. Outros alegaram apenas continuar com a prática da cura. Para sua ideologia, a doença era do corpo do Estado. A doença era uma invasão de pessoas de sangue inferior que enfraqueceria a 'pureza' do Estado. (...) A maldade deles é evidente?"
Vivien Spitz relatou no livro "Doctors from Hell" (médicos do inferno) o julgamento de médicos nazistas em Nuremberg. Além de detalhar a exploração de vidas e corpos humanos no período, discutiu como a profissão médica pode perpetrar crimes em nome da ciência.
Daquele episódio histórico surgiu o Código de Nuremberg, declaração de princípios de bioética que condicionam experimentos médicos (ver "The Nazi Doctors and the Nuremberg Code", os médicos nazistas e o Código de Nuremberg, de Annas e Grodin). Visto de início como um "bom código para os bárbaros", uma aberração alemã que não afetava a profissão médica ocidental, foi sucedido pela Declaração de Helsinki, de 1975, como referência mais universal (ver "Justice at Nuremberg", justiça em Nuremberg, de Ulf Schmidt).
O dever de consentimento voluntário e informado de seres humanos para se submeterem a testes ou tratamentos é o ponto de partida dessas declarações.
Usurpação médica da dignidade não começa nem se encerra com o nazismo. Exemplo mais recente foi a prática do governo norte-americano na "guerra ao terror". A técnica do "waterboarding" teve eficácia e intensidade "aperfeiçoadas" por médicos para escapar do limiar técnico-jurídico da tortura (ver relatório "Experiments in Torture", experimentos em tortura). Calibraram dor e sofrimento para garantir mãos limpas.
O Brasil marcou seu lugar em mais esse capítulo da história universal da infâmia.
Na pandemia, Bolsonaro optou pelo acirramento. O negacionismo não se traduziu em simples inação, mas em gestão sanitária diversionista. Combateu soluções construídas pela comunidade científica global e as substituiu por política paralela. Seu carro-chefe foi o "tratamento precoce".
Estimulou "vida normal", sem máscara e isolamento. Qualquer coisa, cura e prevenção estavam na mão. Não eram placebo, pois nada inofensivos. Eram ansiolíticos sociais ao custo de milhares de mortes individuais.
Governo fez de pacientes e da sociedade em geral cobaias de um experimento humano de morte em massa. A estratégia foi propagar o vírus (ver boletim "Direitos na Pandemia n. 10", Cepedisa-USP e Conectas). Enquanto isso, fomos distraídos por comprimidos e nebulizações. Tinham ciência da multiplicação exponencial da letalidade, mas vai que a imunidade coletiva brotasse mais rápido?
Nossos "doutores do inferno" apareceram. O respaldo jurídico-corporativo veio do Conselho Federal de Medicina, cujo parecer liberou erro médico sob o invólucro de "autonomia médica". Como se autonomia protegesse erro crasso. Na ONU, Bolsonaro fez menção honrosa ao CFM. Representação ao Ministério Público do médico e cientista Bruno Caramelli, oriunda de abaixo-assinado de 60 mil médicos, esclarece as ilegalidades do parecer ainda vigente.
O respaldo científico tabajara, ao que parece, veio também da empresa Prevent Senior, suspeita de ter ministrado kit Covid sem consentimento, omitido mortes por Covid e feito recomendações com base em estudos espúrios. Consentimento desinformado e induzido por autoridade médica não é consentimento.
Ainda menos quando corroborado por agressiva pressão governamental e pessoal de presidente. Muito menos quando já demonstrada ineficácia do tratamento.
A liberdade para exercer a medicina não inclui a liberdade para charlatanear e deixar morrer. O contrato com a morte apareceu nessa variante da liberdade bolsonarista. Outra vez.
Reconstruir a teia de responsabilidades civis e criminais por 600 mil mortes e por colapso socioeconômico exige apontar cúmplices e partícipes, públicos e privados, individuais e corporativos. Do relatório da CPI do Senado se espera o começo desse processo de reparação.
Robert Jackson, juiz em Nuremberg, alertou: "Os erros que buscamos punir foram tão calculados, tão malignos e tão devastadores que a civilização não pode ignorá-los, porque não pode sobreviver à sua repetição".
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