Aquilo que a gente deduz do comportamento dos militares brasileiros, de que são absolutamente servis aos Estados Unidos, vivem ainda na época da guerra fria e enxergam por trás de tudo o "perigo comunista", fica exposto na reportagem de Rafael Moro Martins, no The Intercept Brasil, escrita a partir de um documento vazado sobre a Operação Mantiqueira — treinamento para uma tropa de elite do Exército, realizada em 2020.
O Brasil vira Brasânia. MST vira MLT. Mídia Ninja vira Mídia Samurai. Um trabalho digno da tropa de recrutas Zero e sargentos Tainha comandada por um "mau soldado" (nas palavras de Geisel).
O Exército realizou em 2020 uma simulação em que candidatos a integrar a sua tropa de elite tiveram de combater uma “organização armada clandestina”. No texto que apresenta o exercício, a força explica que o inimigo fictício surgiu “de uma dissidência do Partido dos Operários”, o “PO”, que “recruta e treina militantes do MLT”, o “Movimento de Luta pela Terra”.
Os documentos que descrevem o exercício foram entregues ao Intercept por uma fonte que pediu para não ser identificada por medo de retaliações. A Operação Mantiqueira foi realizada em novembro de 2020 em Piquete, cidade paulista de menos de 15 mil habitantes localizada no Vale do Paraíba e próxima à divisa com Minas Gerais e Rio de Janeiro. A locação não foi escolhida à toa: a cidade é sede de uma das mais antigas unidades da Imbel, a Indústria de Material Bélico do Brasil, uma estatal vinculada ao Exército.
O teor do exercício a que os oficiais do Exército submetem candidatos às suas Forças Especiais deixa claro que, passados quase 40 anos desde a redemocratização, a maior das três Forças Armadas não apenas segue a enxergar movimentos sociais e políticos de esquerda como inimigos – ela também está sendo treinada para combatê-los.
Participaram da Operação Mantiqueira sargentos de carreira e oficiais do Exército que eram alunos do Centro de Instrução de Operações Especiais, o CIOpEsp, localizado em Niterói, cidade da região metropolitana do estado do Rio. Ela foi a última atividade do curso que serve como vestibular para o ingresso nas Forças Especiais. Em 2020, segundo a fonte que entregou os documentos ao Intercept, de uma turma de quase 40 alunos, 17 foram aprovados para trabalhar no Batalhão de Forças Especiais, o BFEsp, sediado em Goiânia.
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O texto que apresenta o exercício aos alunos do CIOpEsp começa apresentando o “Exército de Libertação do Povo Brasaniano”, o ELPB, “criado a partir de um projeto de partido político de caráter marxista e com uma organização armada clandestina, nascido de uma dissidência do Partido dos Operários e que recruta e treina militantes do MLT” num país fictício chamado Brasânia. As referências, óbvias, são ao Exército de Libertação Nacional da Colômbia, ao Partido dos Trabalhadores e ao MST. Existe, também, um movimento que luta pela reforma agrária chamado Movimento de Luta pela Terra, fundado na década de 1990 na Bahia.
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“Cabe ressaltar que esses grupos têm utilizado canais da Deep Web e de mídias sociais para disseminar vídeos, imagens e outros produtos sobre as ações violentas executadas. Essa prática ficou conhecida como ‘Mídia Samurai'” – aqui a referência é à Mídia Ninja, que documentou os protestos contra reajustes nas tarifas do transporte público em São Paulo e outras capitais e depois se tornou um veículo de mídia popular na esquerda.
Mas não são apenas as mídias de esquerda as citadas no documento: a imprensa como um todo apanha. “Uma ala mais tendenciosa da imprensa vem acompanhando o ELPB de forma velada, com notícias que buscam divulgar o caráter ‘democrático e de liberdade’ que o ELPB ‘defende'”, critica o texto.
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Chamou a atenção dos pesquisadores o descolamento do tema do treinamento com o momento político brasileiro. “Não há nenhuma ameaça à democracia partindo de organizações de esquerda, mas sim das de direita, que têm ameaçado instituições democráticas e sendo investigadas em inquéritos do Supremo Tribunal Federal”, argumentou o professor João Roberto Martins Filho da UFSCar. Ele se referia, por exemplo, aos protestos organizados em Brasília nos últimos dois anos por partidários de Jair Bolsonaro, como os 300 do Brasil, inclusive convocados pelo próprio presidente, como no último 7 de setembro.
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