Há quem já nasça folião. Se pudesse andar ou mesmo engatinhar, sairia da maternidade de fralda e tudo e se encaixaria no primeiro bloco que passasse.
Tem gente que não. Sou desses. Nos últimos anos meu Carnaval se resume a postar a imagem que ilustra esta crônica nas redes sociais.
Mas nem sempre fui assim. Embora, usando de "subterfúgios", participei de muitos carnavais, criado até sambas para grandes blocos aqui do Rio.
Como por exemplo o Bloco de Segunda, que desfilou com um samba em que eu era um do autores, há muitos anos, e que tratava de ecologia, um samba cheio de duplo sentido, cantado como se fosse por um gringo:
"Ecologia é O moda, minha tia,
O gringalhada quer acabar nossO nação,
eu tinha um paca umA tatu e um cotia,
comeram O paca, mas o meu Cotia não!".
Fiz um também para o Suvaco do Cristo (com U mesmo o sovaco), nos anos Sarney, quando perdemos na final para um ótimo samba do Lenine que dizia "Se não melhorar eu vou vender goma de mascar numa esquina de Moscou".
O meu (com outros parceiros) denunciava a situação do país sob o sufocante "pacote do Sarney", tinha uma levada de samba-enredo tradicional:
"Nesse cenário tropical — tropical
Numa epopeia triunfal
O Suvaco do Cristo vem contar
a batalha do Bem contra o Mal — contra o Mal
Desde tempos imemoriais
Através de Judas e Satanás — Satanás
O Mal sempre se fez representar
pelos piores tipos de que foi capaz
Mas não houve na História
Nos compêndios não há memória
nunca existiu — Nunca se viu
canalha igual a essa gente
que naufraga o Brasil — que os pariu!
Matam Chico Mendes na Amazônia,
queimam matas, secam rios
e poluem nosso ar
Presos num pacote sufocante
só o ar do teu Suvaco é possível respirar — ô, ô, ô, ô
Presos num pacote sufocante
só o ar do teu Suvaco é possível respirar
Perdoai, Senhor, mas eu vou cheirar — ô, ô
O teu Suvaco até o dia clarear!
Perdoai, Senhor, mas eu vou cheirar — Eu vou
O teu Suvaco até o dia clarear!"
Essa era a minha fantasia: a de que eu adorava Carnaval, era um tremendo folião.
Tímido, enchia a cara e pulava desengonçado no meio do salão, desfilando minha magreza e timidez embriagada.
Na minha adolescência, ainda havia os bailes de clubes. Viviam lotados.
Cinco bailes noturnos, de sexta a terça, e duas matinês, aos domingos e
terças. Eu ia a todos. Com fantasias de pareô, sarongue, ou sei lá que
nome tinha aquilo, pois ficava tão doidão que me esquecia de lembrar.
Mas tudo aquilo era fantasia, não era amor pelo Carnaval. Na verdade o
que eu queria era beijar na boca aquela pirata , aquela havaiana, aquela
odalisca, aquela baianinha, aquela fantasia...
Nesses bailes valia de tudo para virar folião: álcool, bolas, drogas,
lança-perfume, cheirinho da Loló (que porra seria isso que a gente
cheirava e ficava completamente doidão, a ponto de às vezes embicar no
salão?)...
A doideira era tanta, que uma vez todo o Carnaval não foi o bastante. Houve um ano em que eu e um grupo de amigos resolvemos sair
do baile de terça-feira, na madrugada de quarta, diretamente para a casa
de um amigo em Muriqui, cidade litorânea perto do Rio.
Devia ter 13, talvez 14 anos. Pegamos o trem até a estação de Deodoro e
depois a litorina (um tipo de trem mais sofisticado que já não existe
mais) para Mangaratiba e que nos deixaria umas estações antes, em
Muriqui.
Chegamos já dia claro. Mas não havia ninguém na casa, batemos com a cara
na porta. Havíamos feito a loucura de viajar sem ao menos nos informar
se o amigo estaria ou não em Muriqui. Coisa de adolescente.
Aquele talvez tenha sido o mais longo dos dias. Uma quarta-feira de
cinzas de ressaca, com um sol de rachar, na areia da praia de Muriqui,
sem grana, tendo que esperar dar 18 horas para pegar o trem de volta .
Isso tudo só valeu a pena e me vem sempre à memória graças a uma imagem
felliniana. Um grupo de freiras, havia certamente mais de 20 delas, com
seus trajes completos, tomava banho na praia e mergulhava com aquelas
roupas e véus .
Ficou marcado para sempre na minha memória. E hoje, penso, seriam mesmo
freiras ou um grupo de pessoas fantasiadas de freiras? Nunca vou saber.
Coisas de Carnaval . Quando tudo pode acontecer.
Tenho um conhecido, um sujeito sério, que não bebe uma gota de álcool,
um copo de cerveja, uma taça de vinho ou champanhe — nem para comemorar
um bom negócio ou uma data festiva.
Mas no Carnaval ele se transforma em outra pessoa. Veste-se de mulher,
enche a cara na sexta à noite e vai assim de bloco em bloco, de bar em
bar, de rua em rua, só voltando pra casa na quarta-feira de Cinzas,
trêbado, quando aí tira a fantasia e volta a ser o sujeito normal, que
vai se comportar direitinho até o próximo Carnaval.
Talvez esteja aí o grande barato, o segredo do verdadeiro espírito carnavalesco: a maior fantasia de carnaval é a de Folião.
Bom Carnaval!