Justiça mantém censura a denúncia contra Lira com argumento inacreditável

Em abril deste ano, o colegiado da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios decidiu manter a censura a uma reportagem da Agência Pública com denúncias da ex-mulher do presidente da Câmara Arthur Lira Jullyene Lins contra ele.

Impressiona o argumento inacreditável usado pelo relator Alfeu Gonzaga Machado:

“(…) imputando ao autor suposto estupro praticado em novembro de 2006 sob pena… nós estamos em 2024, 18 anos atrás, reesquentando novamente matéria e espero que a comissão do novo código civil insira e traga o direito ao esquecimento, porque nós estamos com discurso num país cristão de perdão, mas o esquecimento que é o fato não está sendo praticado, lamentavelmente por uma parte da imprensa nesse país. Provavelmente amanhã eu serei chamado de censor e vou ter que dizer isso aqui: não sou censor e nunca fui a favor da censura, porque pela minha idade eu sei o que que a Revolução de 64 fez em termos de censura neste país”. 
O relator deve ter sido levado a erro pela defesa de Lira, porque a absolvição de Lira no STF não foi em relação à acusação de estupro, simplesmente porque ela só foi feita agora, em 21 junho do ano passado, exatamente na reportagem censurada. 

O crime de estupro só prescreve no Brasil em 20 anos, embora haja Projeto no Congresso no sentido de torná-lo imprescritível. Portanto, a reportagem não estava "reesquentando matéria". Ao contrário, a matéria é quentíssima e pode esfriar daqui a dois anos, quando a acusação prescreve.

Quanto ao apelo ao perdão, isso deve ser uma decisão da parte ofendida e não opinião do relator, muito menos a defesa de valores cristãos num estado laico.

Quanto ao esquecimento pela imprensa, ele não se dá exatamente porque existe um fato novo: a denúncia de estupro.

Infelizmente o relator acertou numa coisa: ele realmente vai ser chamado de censor e não pode escapar dessa acusação, pois está proibindo a veiculação de uma reportagem, portanto cometendo censura.


A matéria da Pública censurada

O que a censura não está permitindo que as pessoas saibam sobre o caso

À repórter Alice Maciel, a ex-mulher de Lira Jullyene Lins fez uma revelação que não denunciou na época, segundo disse, por vergonha, medo do que as pessoas iriam falar, receio em relação aos filhos. Mas que não aguentava mais e achava que precisava falar, 17 anos depois, inclusive porque os filhos já estão crescidos.

“Arthur Lira me estuprou”, disse. 

A reportagem censurada de Pública traz documentos que comprovam o depoimento de Jullyene à repórter: Boletim de Ocorrência com a denúncia das agressões; laudo de exame de corpo de delito; depoimento da delegada reforçando as acusações de violência; cópia do depoimento oficial da babá, que socorreu Jullyene e foi com ela à delegacia; depoimentos da mãe e do irmão de Jullyene na delegacia confirmando os fatos. Tudo isso referente apenas às agressões, não ao estupro, somente revelado no ano passado.

Mais adiante, os três disseram à Justiça que teriam "assinado sem ler" seus depoimentos e voltaram atrás. Jullyene, que também voltou atrás em seu depoimento, diz que todos agiram assim — inclusive ela —ameaçados por Arthur Lira.

Lira para a ex-mulher: " Onde não há corpo não há crime".

Há também a cópia de um documento de medida protetiva que impedia Lira de se aproximar de Jullyene. Inclusive há uma ordem de prisão contra ele por desobedecer a proibição.

Tudo isso subiu para o Supremo quando Lira se transformou em deputado federal.

Nove anos depois das agressões, em 2015, após as testemunhas e mesmo Jullyene voltarem atrás nas denúncias, Lira foi inocentado no STF. De todas as acusações. Menos a de estupro, que não estava em julgamento.

Graças a essa decisão, matérias estão sendo censuradas, sem levar em conta que:

  • Jullyene Lins alega agora que voltou atrás graças às ameaças que teria sofrido de Lira
  • Jullyene adicionou denúncia nova e mais grave, a de estupro

 

O relator Alfeu Gonzaga Machado foi um induzido a erro pela defesa de Lira que deve ter alegado que tudo já havia sido julgado pelo STF e Lira, absolvido. O ministro do STF Alexandre de Moraes também chegou a censurar algumas reportagens, mas voltou atrás, em menos de 24 horas por perceber que havia sido induzido a erro.

O colegiado da 6ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios poderia fazer o mesmo e liberar a reporgagem. 

Como atualmente o Estado perde o poder de punir o infrator que praticou o estupro após 20 anos da do ato e o denunciado por Jullyene teria acontecido em 2006, faltam apenas dois anos para a prescrição. 

A censura contra a matéria colabora com o acusado da agressão.


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