Há mais de um ano uma mulher grita para ser ouvida, mas ninguém a escuta. Por mais que ela procure jornalistas, escreva em suas redes sociais.
Essa mulher quer contar sua história. Uma história de violência, agressões, ameaças de morte, estupro.
Ela fala aos quatro ventos. Quando é ouvida, a censuram.
Ela já contou sua história a uma repórter, mulher como ela. E depois a outra. Ambas a ouviram e publicaram sua história. Mas ambas as matérias estão censuradas.
Então é como se ela tivesse falado, mas não fosse ouvida.
Ela não é ouvida porque seus gritos são fracos. Não, ela grita alto e diariamente em suas redes sociais. Grita alto e diariamente na esperança de ser ouvida.
Mas ninguém a escuta. Ninguém toma uma providência.
Ela já se declarou disposta a ir a qualquer lugar onde queiram ouvir sua história, olhar os documentos que diz ter e que comprovariam tudo o que diz.
As agressões que sofreu e sofre. A corrupção do ex-marido, de que ela diz ter provas.
Ela diz que ele sonegou terras, não declarou fazendas que seriam dele e de que ele dizia ser apenas o arrendatário. Ela diz ter cópias dos contratos de gaveta.
Ela diz que ele a agrediu com palavras, tapas, socos, chutes. Que ele a estuprou e ameaçou matá-la e desaparecer com o corpo, caso ela não negasse todas as agressões em juízo.
Mas ninguém a escuta.
O ex-marido dela é um tipo poderoso. E de maus bofes. Um coronelzinho típico de um Brasil atrasado de coronéis, coisa de há mais de um século, que teima em sobreviver como um espantalho de um Brasil congelado no tempo.
Diferente de Antígona, mas com a mesma determinação dela, que desafiou o rei e os poderosos para enterrar o irmão, ela desafia o Congresso e o STF para, ao contrário, desenterrar sua história que querem ver sepultada.
Ela quer contar sua história e que a ouçam para sepultar de vez o coronelismo ainda vigente em nossa política e que teima nas ações de seu ex-marido, acobertado por outros coronéis latifundiários do STF.
Mas ela grita.
Enquanto isso ela grita.
Uma mulher grita para ser ouvida, mas ninguém a escuta.
Por conveniência. Por medo. Por cumplicidade. Por machismo.
Não importa. Ela grita e vai continuar gritando.
Porque ninguém para uma mulher quando ela decide enfrentar uma injustiça visceral.
O nome dela é Antígona, é Jullyene, são as mães de Acari, as mães e avós da Praça de Maio, das favelas e comunidades, que têm seus filhos assassinados pela polícia.
Elas gritam para serem ouvidas, e o mundo só será justo quando elas não precisarem mais gritar porque são ouvidas. Ou melhor, porque a injustiça que motiva os gritos não existe mais.
Mas enquanto isso, hoje, uma mulher grita para ser ouvida, mas ninguém a escuta.