A polícia prendeu esta semana uma quadrilha na Baixada Fluminense no Rio de Janeiro especializada em boatos.
Funcionava assim: eles eram contratados por exemplo por um candidato para falar mal de outro, espalhar algum boato negativo contra ele. Tinha que ser algo bem exagerado e absurdo para que as pessoas guardassem na cabeça, mesmo não acreditando, a princípio.
Esse bando de quatro pessoas subcontratava os boateiros, em geral 25 pessoas, que eram espalhadas pela cidade em pontos de grande movimento para difundirem o boato combinado.
Vamos supor, dizer que o adversário, homem que se diz de respeito, foi flagrado nu e bêbado dormindo na praça da cidade. O caso teria sido abafado. Ele teria sido levado até para o hospital, mas as pessoas estavam escondendo o fato.
Como sempre nessas histórias de boato é preciso dizer que as pessoas não vão acreditar, mas que é fato, aconteceu. Sempre tem alguém que presenciou mas que não pode falar com medo de represálias. Aliás, isso é uma característica do boato. Sempre há uma testemunha, mas ela não pode falar pelos motivos mais diversos.
Quem ouve a história geralmente acha absurda, a menos que já tenha desconfiança ou não tenha uma boa avaliação do alvo do boato. Mas se ela mais adiante ouve de outra fonte a mesma história passa a achar pelo menos verossímil.
E se um dia ou dois depois ela já ouviu essa história várias vezes e de diversas fontes, pois os 25 boateiros são especialistas e sabem muito bem difundir um boato, dificilmente não vai acreditar.
Um especialista no assunto, o ex-prefeito do Rio César Maia confessou em livro que utilizou algumas vezes o boatos contra seus adversários. Contou até um caso que envolveu Sérgio Cabral, aquele que veio a ser governador com as consequências que todos ficamos sabendo.
No livro "Política é Ciência", resultado de 18 horas de entrevistas com César Maia, ele narra como ajudou a derrubar um adversário (Sérgio Cabral) para eleger seu candidato a prefeito da cidade em 1996: mandou espalhar 150 pessoas por botequins. Entre um café e outro, a ordem era dizer a seguinte frase: “Soube que o Sérgio Cabral (na época do PSDB) vai renunciar”. Três dias depois, o boato voltava ao criador: “O Serginho vai renunciar”... Missão cumprida, e queda de Cabral nas pesquisas.
O boato é filho delinquente da fofoca. É a fofoca utilizada com intenção de causar mal a alguém. É um desvio da fofoca, que sempre foi uma tradição brasileira. Quem não ouviu falar da vizinha maledicente ou de uma tia que sempre tinha as piores notícias dos vizinhos? Os mais antigos diziam que eram fofoqueiras de língua viperina. Essas são as mães do boato.
Porque a fofoca não é sempre maliciosa. Muitas vezes a pessoa não tem o que fazer e encontra num vizinho uma chance para um bate-papo, jogar conversa fora, falar da vida dos outros — esse esporte tão brasileiro.
A fofoca tem sua função social e muitas vezes é fundamental para uma pessoa recém chegada a um bairro. A fofoqueira explica para a nova moradora onde é o mercado mais barato, quem vende fiado, quais os dias de feira, indica um bombeiro, uma faxineira.
E, lógico, avisa para tomar cuidado com Fulano de Tal, que é mulherengo, que o outro trai a mulher, ou é a mulher que trai, essas coisas. Ali a nova residente se situa. Ainda que depois venha a saber que era tudo apenas fofoca da vizinha faladeira.
Aliás, vizinha faladeira é tanto uma tradição brasileira que o Rio tem uma Escola de Samba com este nome, a Associação Recreativista Escola de Samba Vizinha Faladeira, fundada em 1932.
Hoje, as fofoqueiras têm netos, que são os propagadores de fake news. Se o boato é a fofoca do mal em ambiente reduzido, sua filha, a fake news, é o boato amplificado pelas redes sociais.
Por isso o brasileiro acredita nas coisas mais absurdas, como mamadeira de piroca, kit gay, etc. As fake news são filhas do boato, netas da fofoca, essa tradição tão brasileira.
Só não digo a fonte, porque me pediram sigilo. Mas é verdade.