Um craque do jornalismo, como é o caso de Janio de Freitas, consegue em muitos casos não apenas narrar os fatos, mas antecipá-los.
Em sua coluna na Folha na quinta, 27 de setembro de 2018, a 10 dias das eleições presidenciais daquele ano, Janio escreveu sua preocupação premonitória sobre alguma armação que poderia vir da turma do Moro da Lava Jato ou da PGR, Raquel Dodge.
Antes da coluna de Janio, uma situação das pesquisas para dar uma visão do momento da disputa política.
Até o dia da coluna, pesquisas indicavam uma subida de Haddad, tendo o candidato petista já assumido a liderança da disputa pelos dois institutos mais famosos da época: Datafolha e Ibope. É preciso relembrar ainda que Haddad havia sido confirmado candidato apenas no dia 11 de setembro, o que mostrava que sua subida era consistente.
As duas pesquisas, Ibope e Datafolha, na ordem.
Agora, trecho inicial da coluna de Janio de Freitas com suas preocupações premonitórias:
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Vitória e derrota
A preocupação com a possibilidade de que militares oponham as armas ao voto encobre, mas não enfraquece, outra possibilidade negativa.
O juiz e os procuradores da Lava Jato, o tribunal federal da região Sul (o TRF-4), o Tribunal Superior Eleitoral e o Supremo já ganharam parte do seu confronto com a maioria do eleitorado, mas as pesquisas comprovam que há dificuldade para ir além. Lula ficou excluído das eleições, no entanto o PT e seu candidato mais do que sobrevivem. Meia vitória é, no mínimo, meia derrota.
Aquelas forças, que já foram chamadas de partido da justiça ou do Judiciário, há semanas mantêm-se como espectadoras. Não é um silêncio confiável, até por não terem experimentado sequer uma derrota nos seus quatro anos, e não se sabe como a receberiam agora. Ou como recebem a perspectiva de tê-la.
Comparados os anos recentes de militares e do sistema judicial, não é na caserna que se encontram motivos maiores de temer pelo estado democrático de direito. Os avanços sobre poderes do Legislativo e do Executivo, os abusos de poder contrários aos direitos civis, ilegalidades variadas contra os direitos humanos —a transgressão da ordem institucional, portanto— estão reconhecidos nas práticas do Judiciário e da Procuradoria da República.
Em tais condições, seria pouco mais do que corriqueiro o surgimento, nos dez dias que nos separam das eleições, de um petardo proveniente de juiz ou procurador para perturbar a disputa eleitoral, na hierarquia a que chegou.
Além disso, as eleições deste ano têm uma peculiaridade: são vistas por muita gente, não como meio de proceder à sucessão democrática de governo, por vitórias e derrotas, mas como oportunidade de fazer o país retroceder ao período pré-Constituinte de 1988 sem, contudo, a caracterização ostensiva de golpe. E nessa corrente não estão só o general Hamilton Mourão e demais apoiadores de Jair Bolsonaro.
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Quatro dias após a coluna de Janio, na segunda, dia 1º de outubro, semana final da eleição, realizada no dia 7, o ex-juiz, hoje senador, Sergio Moro tornou pública a delação do ex-ministro Antonio Palocci, exatamente como antecipara Janio de Freitas, com graves acusações contra Lula e o PT.
O Jornal Nacional daquele mesmo dia 1º repercutiu:
O ex-ministro Antonio Palocci disse, em delação à Polícia Federal, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabia da corrupção na Petrobras, e que o então presidente encomendou a construção de sondas, para garantir, com recursos ilícitos, o futuro político do Partido dos Trabalhadores e a eleição de Dilma Rousseff. Palocci também disse que as campanhas petistas, de Dilma, de 2010 e de 2014, custaram quase três vezes o que foi declarado.
Uma declaração anterior de Sergio Moro mostra que ele sabia que a divulgação da delação de Palocci iria influir diretamente nas eleições. Anteriormente, Moro havia suspendido as audiências com Lula alegando que ele as estaria usando politicamente:
"Ora, na ação penal 5021365-32.2017.404.7000 suspendi os interrogatórios para evitar qualquer confusão na exploração das audiências, inclusive e especialmente pelo acusado Luiz Inácio Lula da Silva que tem transformado as data de seus interrogatórios em eventos partidários, como se viu nesta e na ação penal 5046512-94.2016.4.04.7000. Realizar o interrogatório dele durante o período eleitoral poderia gerar riscos ao ato e até mesmo à integridade de seus apoiadores ou oponentes políticos."
Realizar interrogatório de Lula "durante o período eleitoral poderia gerar riscos", mas divulgar a bombástica delação de Palocci na semana das eleições, deboas!
O resultado da divulgação da delação de Palocci pelo cínico Sergio Moro, antecipada por Janio, todos sabemos: ao lado dos disparos de centenas de milhões de fake news pelo WhatsApp a delação barrou a subida de Haddad e garantiu a vitória de Jair Bolsonaro e a subsequente nomeação de Moro como ministro da Justiça.
Obs.: Infelizmente, depois de sua coluna e talvez por ela, o número de colunas publicadas por Janio por semana foi diminuído de duas para uma, até que às vésperas do Natal de 2022 a Folha demitiu aquele que talvez seja o mais importante jornalista brasileiro vivo, embora a Folha se beneficie até hoje de Lei assinada pela presidenta Dilma em 2015 que isenta empresas de impostos para que elas mantenham e gerem empregos.
A Folha demitiu Janio, aos 90 anos, após mais de quatro décadas de casa, às vésperas do Natal, com o seguinte comunicado:
O jornalista Janio de Freitas, 90, deixa de publicar sua coluna semanal na Folha a pedido do jornal, por contenção de despesas.
Contrariando ao mesmo tempo o Jornalismo e a lei aprovada por Dilma que a beneficia para que gere emprego e não os corte.