"Tudo ao seu redor evoca desespero. A morte está em toda parte, junto com o deslocamento, a falta de moradia, a doença, a fome, a sede e a perda. Mas há fragmentos soltos em seu ser que clamam por esperança e ação".
É assim que Mahdy Krira, um artista palestino em Gaza, descreve sua motivação para desenvolver sua arte em meio a um bombardeio implacável e levá-la ao seu povo devastado pela guerra, para incentivá-lo, entretê-lo e educá-lo.
Sua arte atual são os fantoches, que, assim como os "fragmentos soltos" que o inspiram, ele constrói a partir dos destroços da guerra: latas, pedaços de madeira quebrada, restos de tecido e lixo.
Krira deu seus primeiros passos artísticos na dramaturgia e no teatro, mas há 18 anos decidiu se dedicar às marionetes, uma forma de arte que não existia em Gaza, apesar de sua presença em muitos países vizinhos.
Depois de vários anos, ele fundou uma empresa de marionetes chamada Khayyout, que significa Threads (fios), a primeira na Faixa de Gaza.
"As crianças do meu país precisavam urgentemente dessa arte incrível e maravilhosa", diz ele. "Quando o fantoche aparece, começam os sussurros e as risadas. Um menino ou menina se aproxima para cumprimentar um dos personagens... e todos nós abraçamos o céu com alegria".
Ainda mais agora, depois do 7 de outubro de 2023, quando em resposta a um ataque do Hamas, Israel começou um verdadeiro genocídio em Gaza, matando até o momento mais de 42 mil palestinos, 40% deles crianças, e destruindo 90% da infraestrutura de Gaza.
Missão
Mahdy Krira, 43 anos, é casado e tem seis filhos. Ele teve sua casa bombardeada e destruída, juntamente com sua oficina, já se deslocou à força nove vezes, por determinação das tropas israelenses. Ele fugiu com sua família para o sul de Gaza, mas as Forças de Defesa de Israel não permitiram que levassem nada com eles e perderam tudo.
"Foi o início de uma fase de exaustão, exílio e desespero", explica ele. "O bombardeio é constante, em todos os lugares que você vai, com aviões sobrevoando e literalmente dentro de sua mente."
Sem os bonecos e material para construí-los, Mahdy resolveu improvisar, a princípio para distrair os filhos.
"Percebi que tinha que construir pelo menos um fantoche para ajudar a mim e a meus filhos a escapar do estresse da guerra e roubar alguns momentos do medo", diz ele.
Latas vazias e restos de guerra como os únicos materiais disponíveis, juntamente com "determinação e ambição", foram a base para a criação de novos fantoches e histórias para ajudá-lo a registrar a experiência de uma guerra que ele chama de "genocida".
"Um teatro móvel ao redor do mundo"
Apesar de todas as dificuldades, surgiu a ideia de produzir esses espetáculos para mais crianças, construindo cenários e levando-os em um teatro móvel a campos de refugiados para entreter as famílias e seus filhos.
"Montamos o teatro, os fantoches saem e os sorrisos aparecem", diz ele, observando que o moral aumenta e o público pede mais. "É realmente extraordinário. Imagine criar vida em meio à morte dispersa", observa ele.
Mas seus shows têm mais funções do que o mero entretenimento. Como o sistema educacional foi completamente destruído pelo conflito, Krira também está ativamente envolvido em estratégias de aprendizado e desenvolvimento educacional.
"A responsabilidade se tornou maior agora", diz ele. "Ela inclui entretenimento, educação, apoio psicológico e primeiros socorros em saúde mental.
Seu teatro de fantoches atrai mulheres, idosos, pais, crianças e prestadores de serviços, diz Mehdy Krira.
Ele deseja levar seu teatro móvel, talvez em um caminhão reciclado, não apenas para Gaza, mas para o mundo todo.
"Aparecer na Espanha, no Egito, na Jordânia, em Londres, em Berlim, no Canadá e no Brasil e dizer ao mundo: 'Aqui estamos nós, fomos bombardeados com tudo, mas estamos criando alegria e buscando vida nos escombros'".
"Esperança é espalhar alegria e otimismo, que é a primeira coisa que foi alcançada", diz ele.
"Semeamos sorrisos, curamos nossas almas e então construiremos esta nação. Construiremos a humanidade sem submissão e sem extremismo."
Sobre reportagem de William Márquez, BBC Mundo.