O bolsonaríssimo Conselho Federal de Medicina ataca novamente. O mesmo CFM, que durante a pandemia defendeu práticas médicas condenadas até pela Organização Mundial da Saúde para ficar ao lado de seu líder e maior propagador da pandemia no Brasil, Jair Bolsonaro, à época presidente, hoje, inelegível e à espera de outras condenações nas varas cível e criminal.
Agora o CFM entrou com ação civil pública contra a reserva de 30% de vagas destinadas aos grupos sociais vulnerabilizados aplicado no Exame Nacional de Residência (Enare).
Matéria sobre o assunto foi publicada aqui na Fórum, com devidos rechaços à atitude do CFM pela Ebserh, estatal vinculada ao ministério da Saúde responsável pela organização do Enare, e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
A Ebserh lembrou que a política de cotas está de acordo com decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e representa um esforço para garantir que o acesso às residências médicas e multiprofissionais seja mais representativo da diversidade demográfica do país.Mas hoje na Folha, Maria Angélica Minhoto , Soraya Smaili , Pedro Arantes e Anna Miranda publicaram um artigo com dados ainda mais veementes que mostram o absurdo da ação do CFM, que parece querem que branca seja não apenas a cor dos uniformes médicos, mas também a cor da pele dos profissionais.
Já a Fiocruz alertou que o acesso à pós-graduação e às residências em saúde continua profundamente desigual no Brasil. “O acesso às diferentes modalidades de pós-graduação, inclusive às residências em saúde, ainda é extremamente desigual, com sub-representação das pessoas negras (pretas e pardas), indígenas e pessoas com deficiência”, afirmou em nota.
Para o CFM, as cotas no programas de residência seriam desnecessárias, pois elas já existem nos cursos de medicina.
Só que, como informa o artigo dos quatro autores, as reservas de vagas contemplam em quase sua totalidade as faculdades públicas e, "de acordo com dados da Demografia Médica no Brasil (2023), as instituições privadas são responsáveis por mais de 76% das vagas de graduação em medicina no Brasil".
No estado de São Paulo, a situação é ainda mais grave, pois mais de 90% do ensino de graduação em medicina é privado. Desde a década de 1990, a quantidade de instituições que oferecem cursos de medicina no Brasil passou de 78 para 389. Somente nos últimos dez anos, 190 instituições de ensino médico entraram em funcionamento.
Os valores das mensalidades são estratosféricos: variavam de R$ 4.984,51 a R$ 12.850,00, com valor médio de R$ 9.044,92, em 2022.
A imagem acima é o trecho inicial de uma simples pesquisa no Google por "formandos faculdade de medicina". Só dá branco, mesmo com as cotas.
Os autores denunciam essa branquitude defendida pelo CFM:
Destaca-se ainda que a diversidade racial nos cursos de medicina e nas residências médicas é essencial para a construção de um sistema de saúde mais inclusivo e focado na inversão dos indicadores de saúde da população negra, os piores no Brasil, de acordo com o Boletim Epidemiológico: Saúde da População Negra. Por exemplo, em doenças como o câncer de mama, mulheres negras têm uma sobrevida até 25% menor do que pacientes brancas, segundo levantamento feito por pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Assim, a presença de profissionais negros é fundamental para combater o racismo institucional que permeia o atendimento em saúde. Ao compartilharem experiências culturais e raciais semelhantes às de seus pacientes, esses profissionais tendem a compreender melhor as necessidades e as particularidades, promovendo um atendimento mais humanizado e eficaz.
Em síntese, a postura do CFM contra as ações afirmativas nas residências médicas evidencia o racismo disfarçado em defesa de uma suposta meritocracia. Ao desconsiderar o contexto histórico de desigualdade racial e as barreiras enfrentadas por minorias, o Conselho reforça uma visão elitista, que, em última análise, prejudica a construção de uma medicina mais representativa da democratização da saúde no Brasil.
Na verdade, o CFM faz lobby da elite médica branca, a mesma que foi contra o programa Mais Médicos e que exige revalida para médicos formados no exterior mas não aplica o teste aqui, para alegria das inúmeras faculdades de medicina que crescem ano a ano.