Folha passada a limpo: Livro revela mãos sujas de sangue da Folha na ditadura

Chegou às livrarias na última quarta-feira o livro A Serviço Da Repressão: Grupo Folha E Violações De Direitos Na Ditadura, Editora Mórula, um trabalho a 12 mãos, da jornalista e historiadora Ana Paula Goulart Ribeiro, da historiadora Amanda Romanelli, do historiador André Bonsanto, da jornalista Flora Daemon, da jornalista Joëlle Rouchou e do historiador Lucas Pedretti. 

Fruto de um ano e meio de investigações, o livro passa a limpo a história da parceria do Grupo Folha com a ditadura civil-militar de 1964 e revela as mãos sujas de sangue da Folha.

Não foi apenas a linha editorial favorável à ditadura. Isso os outros jornaloes e a mídia comercial como um todo também fizeram. E outras se beneficiaram até mais do regime, como a Rede Globo de Televisão, por exemplo.

Mas o que espanta nas revelações do livro é como a participação da Folha na ditadura foi umbilical, ativa, desde o nascedouro, já que o dono principal, Octávio Frias de Oliveira, foi financiador de grupos que preparavam o golpe.

"A gente tem um carnê dele pagando sua mensalidade para o Ipês", informa em entrevista ao canal Meio a jornalista Flora Daemon.

"Hoje em dia, a gente tem uma velocidade muito rápida para conseguir produzir um caderno especial com toda a tecnologia de diagramação e tal. Mas, nos anos 1960, a coisa era diferente. Em 31 de março de 1964, ou seja, no dia oficial do golpe, a Folha de S.Paulo publicou um suplemento chamado 64 — Brasil Continua, de mais de 40 páginas. E quase todos os anunciantes desse suplemento eram apoiadores financeiros do golpe. Os anúncios também eram diferentes, já de celebração do “verdadeiro povo brasileiro”. A Folha estava nessa articulação havia muito tempo."

Além disso, a utilização de carros do jornal não foi assim tão "inocente", apenas para os militares transportarem bacalhau, lagosta, uísque, champanhe ou filé, como ficamos sabendo dos hábitos dos oficiais durante do governo Bolsonaro. Eles transportavam presos para serem torturados e eventualmente mortos.

Mais até: foram usados como isca para assassinar militantes da Aliança Libertadora Nacional:

"Um eixo importante era como os veículos da Folha eram utilizados pela ditadura e com quais fins. No final dos anos 60 e início dos anos 70, que foi o auge da repressão, o regime estava matando muita gente. E, naquele momento, os carros da Folha, eu falo isso sem medo de errar, foram cruciais para que muitas pessoas fossem monitoradas, sequestradas, assassinadas e desaparecidas. A gente conseguiu mapear várias ações em que os carros da Folha estavam presentes. Uma é muito conhecida, mas ainda não estava muito bem elucidada, a emboscada da Rua João Moura. Nesse episódio, os militares já sabiam que os militantes da ALN estavam fazendo expropriação de armamentos. Criaram uma emboscada, com alguns agentes deixando as armas de maneira pouco cuidadosa. Militantes da ALN passaram e viram. Mas era tudo armado. Um pouco adiante, tinha um caminhão de entrega de jornais da Folha. Na parte traseira, havia agentes. Quando os militantes da ALN tentaram pegar os armamentos, os agentes saíram da caçamba e mataram três militantes. Mas houve uma sobrevivente, Ana Maria Nacinovic, que relatou o que aconteceu. Esse é um caso bem emblemático porque a gente pôde associar o uso do veículo da Folha à morte de três militantes da ALN."

Mas não foi apenas por ideologia e afinidade de ideias com os ditadores que a Folha apoiava os golpistas. O livro mostra também que a Folha conseguiu fazer bons negócios com a parceria:

"Não é à toa que eles também viraram os donos, de uma maneira muito complicada, da maior rodoviária da América Latina à época, a de São Paulo. Eles usaram um terreno público para fazer essa rodoviária privada, com ônibus para vários países da América Latina. Ganharam muito dinheiro explorando um terreno público. Tinham costas quentes com o governo militar, eles conseguiram ganhar muito dinheiro nesse processo. O jornal não tinha só um papel lucrativo objetivamente, mas também político. E nisso, o negócio foi se diversificando também. Eles foram comprando outras empresas, a exemplo da Lithographica Ypiranga, que fazia toda essa parte de gestão de papel, que compraram por um preço irrisório. O próprio jornal Última Hora, de Samuel Wainer, que estava sufocado pela ditadura, pois ele foi um dos poucos que não apoiou a repressão, eles compraram também a preço de banana. Tudo isso entra na conta do que a gente chama de benefícios econômicos, em função do contexto ditatorial. E o Grupo Folha foi crescendo, de uma maneira assustadora."

"Se a gente for trabalhar pela esfera da comparação, o Grupo Folha colaborou jornalisticamente, editorialmente, perseguiu jornalistas, perseguiu pessoas, foi beneficiado economicamente e, no final das contas, pode ser responsabilizado indiretamente pela tortura, desaparecimento, sequestro e morte de pessoas. Nenhuma outra empresa do ramo da comunicação no Brasil teve um grau de colaboração neste nível" — afirma Flora Daemon.

Prejuízo, a Folha teve apenas com veículos incendiados:

 


 

A Roupa Nova da Folha

Logo ao final da ditadura a Folha deu uma virada de página tão bem feita que se transformou no jornal das Diretas Já e teve seu perfil associado aos governos tucanos de São Paulo e depois no Brasil, com Fernando Henrique Cardoso.

Aí vieram os governos populares do presidente Lula e a Folha retirou sua máscara liberal e voltou aos tempos da ditadura, tentando repaginá-la como "ditabranda", fazendo guerra constante aos governos Lula e depois Dilma, de quem chegou a publicar a infame capa com uma ficha falsa em que acusava a ex-presidenta de planejar um atentado contra Delfim Netto, um dos mais poderosos ministros da ditadura.

 


 

Participou ativamente da campanha pelo impeachment da presidenta Dilma e também dos processos que levaram à prisão do presidente Lula e à sua impossibilidade de disputar a presidência em 2018, que foi entregue de mão beijada a um deputado desqualificado, defensor da tortura e da ditadura, como a Folha dos velhos tempos.

Atualmente, a Folha continua com sangue nos olhos, num trabalho para afastar o ministro Alexandre de Moraes dos processos contra o inelegível Bolsonaro, abrindo suas páginas até para que Bolsonaro publicasse um cínico artigo com o título "Aceitem a democracia". 

Logo ele, acusado de tramar um golpe de Estado em que seriam assassinados o presidente e o vice eleitos, Lula e Alckmin, e o presidente do TSE à época, ministro Alexandre de Moraes.

E a Folha faz tudo isso de olho num candidato em favor das pautas do mercado. 

Daí a importância do livro recém lançado. A Serviço Da Repressão: Grupo Folha E Violações De Direitos Na Ditadura vem lançar luzes sobre os porões da Folha para que a história não se repita.



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