Rubens Paiva: Prisão, tortura, morte e último discurso do deputado de 'Ainda Estou Aqui'

O filme "Ainda Estou Aqui" conta a história da família do deputado Rubens Paiva, após ele ser levado, torturado, assassinado e ter seu corpo desaparecido pela ditadura militar de 1964. A Comissão Nacional da Verdade conta assim o que teria acontecido a Rubens Paiva:

 

Relatório da Comissão Nacional da Verdade informa sobre Rubens Paiva

 

No dia 20 de janeiro de 1971 Rubens Paiva foi preso em sua própria casa, no Leblon, por agentes do CISA, órgão de inteligência da Aeronáutica, sendo levado ao quartel da 3ª. Zona Aérea, situado ao lado do aeroporto Santos Dumont e comandado pelo Brigadeiro João Paulo Moreira Burnier, onde sofreu as primeiras torturas.

No mesmo dia, Rubens Paiva foi entregue pelo CISA, juntamente com Cecília Viveiros de Castro, ao Destacamento de Operações e Informações (DOI) do I Exército, com sede na rua Barão de Mesquita, no Rio de Janeiro, comandado pelo então major Belham, entre novembro de 1970 a 19 de maio de 1971.

Segundo testemunho à CNV do coronel Ronald Leão, falecido em novembro de 2013, Rubens Paiva foi recebido no DOI do I Exército pelos agentes do Centro de Informações do Exército (CIE) Freddie Perdigão Pereira, já falecido, e Rubens Paim Sampaio, atualmente residente no estado do Rio de Janeiro.

Logo após a recepção no DOI, Rubens Paiva e Cecília Viveiros de Castro, bem como Marilene de Lima Corona, detida com Cecília no aeroporto do Galeão, passam a ser interrogados sob tortura por agentes do DOI e do CIE, um deles identificado por Cecília como sendo "um oficial loiro de olhos azuis".

Em 1986, Amílcar Lobo afirmou ter atendido Rubens Paiva no DOI na madrugada de 21 de janeiro de 1971, e que, naquela ocasião, Rubens Paiva apresentava um quadro de hemorragia abdominal mediante ruptura hepática.

Testemunha ocular das torturas sofridas por Rubens Paiva no DOI do I Exército na tarde de 21 de janeiro, denominado neste relatório como "Agente Y", afirma que após a ver a cena, foi com o Capitão Ronald Leão à sala do então major Belham, comandante do DOI do I Exército, a fim de alertá-lo que o preso não sobreviveria à continuidade das torturas que lhe eram infligidas pelo "agente loiro e alto" de nome "Hugh, Huges, Hughes".

Em seguida, após verificarem a morte de Rubens Paiva, a ditadura militar que alguns querem trazer de volta ao Brasil, desapareceu com seu corpo, que foi enterrado e desenterrado diversas vezes por agentes da repressão até ter seus restos jogados ao mar, na costa da cidade do Rio de Janeiro, em 1973, dois anos após sua morte.


 

Pronunciamento de Rubens Paiva no dia do golpe de 64


O pronunciamento foi ao ar pela Rádio Nacional no dia 1º de abril de 1964, verdadeiro dia do golpe civil-militar.

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Locutor:
Nesta madrugada de 1º de abril, vamos trazer o deputado Rubens Paiva, representante do Estado de São Paulo no Congresso Nacional.

Deputado Rubens Paiva: Meus patrícios, me dirijo especialmente a todos os trabalhadores, a todos os estudantes e a todo o povo de São Paulo tão infelicitado por este governo fascista e golpista que, neste momento, vem traindo seu mandato e se pondo ao lado das forças da reação. Desejo conclamar todos os trabalhadores de São Paulo, todos os trabalhadores portuários e metalúrgicos da Baixada Santista, de Santos, da capital e das cidades industriais de São Paulo em especial. Todos os universitários que se unam em torno dos seus órgãos representativos, obedecendo à palavra de ordem do Comando Geral dos Trabalhadores, do Fórum Sindical de Debates, dos sindicatos, da União Nacional dos Estudantes, das Uniões Estaduais e dos grêmios estudantis, para que todos, em greve geral, deem a sua solidariedade integral à legalidade que ora representa o presidente João Goulart. O nosso presidente ao tomar as medidas tão reclamadas por todo o nosso povo, medidas que nos conduzirão indiscutivelmente à nossa emancipação política e econômica definitiva, realmente prejudicou os interesses de uma pequena minoria de nossa terra, pequena minoria entretanto, que detém um grande poder, todo o poder econômico deste país, todos os órgãos de divulgação, os grandes jornais e as estações de televisão. É indispensável, portanto, que todo o povo brasileiro, os trabalhadores e os estudantes de São Paulo em especial, estejam atentos às palavras de ordem que emanarem aqui da Rádio Nacional e de todas as outras rádios que estejam integradas nesta cadeia da legalidade. Julgamos indispensável que todo o povo se mobilize tranquila e ordeiramente em defesa da legalidade, prestigiando a ação reformista do presidente João Goulart que neste momento está com o seu governo empenhado em atender a todas as legítimas reivindicações de nosso povo. É indispensável que se processe de uma vez por todas a divisão da riqueza brasileira entre todos os seus habitantes. Não é possível que nós tenhamos marginalizados mais da metade dos habitantes deste país, sem condições de trabalho, sem saber de manhã para que local se dirigirem para ganhar o seu pão e alimentar a sua família. É uma estrutura de reforma, é exatamente com as medidas preconizadas pelo governo federal que teremos condições realmente de integrar todos os brasileiros neste processo e com isto lucram os trabalhadores que terão maiores condições de emprego, com isso lucram os industriais que terão a quem vender os seus produtos, com isto lucram os comerciantes e toda população deste país. O que se diz que o governo pretende acabar -- com o direito de propriedade, estabelecer o confisco de tudo que existe como propriedade privada -- é uma grande mentira, uma grande farsa. O que se pretende realmente, trabalhadores e estudantes de São Paulo, é tornar este governo incompatibilizado com a opinião pública sobre uma onda de mentiras e uma imagem deformada. O presidente João Goulart em suas reformas visa tão somente dar ao povo brasileiro uma participação na riqueza deste país. Este momento nacional é o momento decisivo em que o povo brasileiro pode ter a felicidade de ver realizada toda a sua revolução dentro do processo da legalidade democrática, prestigiando o presidente da República e esta legalidade. É indispensável entretanto para isto que o presidente e o governo contem com toda a mobilização da opinião pública, todos os trabalhadores, todos os estudantes, os intelectuais e o povo em geral para que pacífica e ordeiramente digam um não e um basta a esses golpistas que pretendem cada vez mais prestigiar a pequena minoria privilegiada. Está lançada inteiramente para todo o país o desafio: de um lado a maioria do povo brasileiro desejando as reformas e desejando que a riqueza se distribua ao lado da legalidade do presidente João Goulart. Os outros são os golpistas que devem ser repelidos e desta vez definitivamente para que o nosso país veja realmente o momento da sua libertação raiar.

Locutor: Muito obrigado. Tivemos assim o depoimento do deputado Rubens Paiva do PTB de São Paulo.

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